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28 de janeiro de 2019
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18:13

Liberalismo econômico combina com política industrial?

Por
Sul 21
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Setor automobilístico fez muita força para aprovar nos últimos dias do Governo Temer um novo regime de incentivos. (MAN / Divulgação)

Flavio Fligenspan (*)

A visão econômica do Ministro da Economia e de seus auxiliares mais próximos é de que o Estado deve intervir o mínimo possível e que deve apenas criar as boas condições para o melhor funcionamento dos mercados, principalmente no que se refere ao ambiente dos negócios e aos parâmetros macroeconômicos: inflação e taxas de juros baixas e sistema tributário descomplicado. Não tenho certeza sobre como vão operar a taxa de câmbio, já que os princípios de não intervenção podem causar problemas em situações de stress que nem sempre podemos controlar, muitas vezes com origem na economia internacional. E é sempre bom lembrar que há um canal direto entre câmbio e inflação.

Para quem vê o mundo desta forma, o correto é oferecer às empresas as condições institucionais para que elas alcancem níveis de competitividade tais que possam enfrentar com igualdade seus competidores internacionais, tanto no mercado interno quanto no externo. E só; quem for competente vai se dar bem, quem não for vai sucumbir. Estas são as leis da selva dos mercados capitalistas. Neste arcabouço teórico não há espaço para políticas industriais ativas direcionadas a setores, regiões ou grupos de empresas; a política industrial deve ser horizontal – não vertical – isto é, deve servir igualmente a todos e não a “privilegiados” que, por motivos justos ou por caminhos escusos, tenham mais acesso ao poder e consigam obter regras direcionadas para seus interesses específicos.

Assim, setores que há décadas obtêm vantagens de todos os governos – federais e estaduais –, cujo exemplo mais conhecido é a indústria automobilística, deixariam de contar com tais benefícios. Tendo em conta esta nova visão, o setor fez muita força para aprovar nos últimos dias do Governo Temer um novo regime de incentivos (o Rota 2030), em substituição ao que estava vencendo (o Inovar-Auto). A pressa, quase desespero, demonstrava o temor de que com o novo governo não houvesse mais espaço para as velhas práticas.

Pois bem, o primeiro embate nesta área começou na semana passada. Enquanto o Ministro estava fora, no Fórum de Davos, um dos secretários do Ministério da Economia reuniu-se com a GM do Brasil para ouvir queixas e pleitos conhecidos. Não faltaram as ameaças tradicionais quanto à possibilidade de fechamento de unidades e desemprego de milhares de trabalhadores, se tais e quais condições não fossem alcançadas. A resposta seca – alguns diriam deselegante – do Secretário foi: “…se precisar fechar, fecha”, exatamente de acordo com o discurso do Ministro ainda em meio à campanha eleitoral do ano passado.

É curioso analisar que o ex-Ministro Henrique Meirelles, também candidato a Presidente em 2018 e igualmente seguidor do receituário liberal, agora exercendo a função de Secretário da Fazenda de São Paulo, Estado sede da GM, tinha se manifestado poucos dias antes de forma bem diferente após reunião com a empresa. Seguindo o padrão anterior de relacionamento entre setor automotivo e Estado, disse que havia que se analisar com cuidado a situação da empresa, visto sua importância para a economia estadual e dada sua responsabilidade com os trabalhadores.

Lembre-se que a empresa já havia preparado o ambiente em nível nacional na semana anterior, quando convocou reuniões com seus empregados nos vários locais em que opera para falar de dificuldades e necessidade de ajustes na forma de contratação e nos salários. Ou seja, a empresa tratou de pressionar os dois lados em busca de rentabilidade, trabalhadores e governos.

Os próximos passos desta pendenga serão muito interessantes, pois tudo indica que os antigos parâmetros não vão valer mais. Alguns atores devem mudar de discurso e de posição, e alguns vão ter que ceder espaço. Só há uma maneira de tudo se acomodar com tensão reduzida, é que haja ganhos de produtividade; esta é a fórmula mágica de acomodar pressões no sistema capitalista, porque ela permite que cada parte – trabalho, capital e Estado – se veja melhor em relação ao passado sem precisar avançar na fatia da outra parte. O problema é que as tensões já estão postas e exigem respostas rápidas, mas os ganhos de produtividade têm um ritmo bem mais lento. Estas diferentes velocidades vão impor ganhos e perdas. Quem vai ceder no curto prazo e quem vai ter a maturidade para entender o processo e esperar sua vez? O novo Ministro vai realmente bancar uma política industrial horizontal, igualmente com tempo de resposta mais longo?

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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