Colunas>Flávio Fligenspan
|
14 de janeiro de 2019
|
11:47

Anestesia a 3,75% 

Por
Sul 21
[email protected]
Anestesia a 3,75% 
Anestesia a 3,75% 
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Flavio Fligenspan (*)

A mais longa recessão da história brasileira, iniciada em 2015 e da qual ainda não nos recuperamos, parece ter anestesiado boa parte da sociedade, com reflexos no meio dos economistas. Na semana passada o IBGE revelou os números finais para o Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) em 2018, que fechou em 3,75%. Como se sabe, o IPCA é tido como uma espécie de “índice oficial” de inflação no Brasil, uma vez que desde 1999 ele se constitui no parâmetro do nosso sistema de metas de inflação, ou seja, quando fixamos uma meta, ela é medida por este índice. O Banco Central acompanha o IPCA durante o ano e faz uso da política monetária para corrigir o rumo e atingir a meta pré fixada; se o IPCA projetado para o final do ano está acima da meta, os juros devem subir, para conter a demanda e “segurar” a inflação.

O IPCA de 3,75% ficou abaixo da meta estabelecida – de 4,5% – e, assim, foi comemorado por vários setores da sociedade, entre eles muitos políticos e economistas. Se Temer ainda estivesse na Presidência, faria manifestações, chamando para si a responsabilidade de tal resultado. Ora, tal como já comentei tantas outras vezes nesta Coluna, a inflação abaixo da meta, especialmente com uma economia tão deprimida, é mais uma notícia ruim do que algo a ser comemorado. Tal resultado expressa, essencialmente, uma economia sem força, com elevada taxa de desemprego e enormes dificuldades para empresas pequenas e médias. É isto que não deixa os preços subirem, é uma demanda raquítica que no final de 2018 revela um PIB cerca de 4,5% menor que o do final de 2014.

Quatro anos se passaram e hoje produzimos menos do que antes, geramos menos renda e empregamos menos pessoas. O que cresceu neste período foi a informalidade no mercado de trabalho, expressão do desespero das pessoas em busca de bancar sua sobrevivência. Não se trata de uma economia ajustada, que cresce moderadamente, sem desajustes internos e nas contas externas, que incorpora seus cidadãos e distribui os frutos do crescimento. Nada disso, o que se observa pode ser classificado como uma tragédia para uma sociedade pobre, uma inflação bem comportada que expressa falta de vigor econômico. E o IPCA poderia ser ainda menor, não fossem variações significativas de preços de itens básicos de alimentação, como tomate e batata, que não resultaram de pressões de demanda.

Qual é a contrapartida de uma inflação abaixo da meta no sistema de metas de inflação? É uma taxa de juros que ficou acima do que deveria e sustou o consumo e o investimento, por um lado, e fez o governo pagar uma conta de juros maior pela rolagem da dívida pública, por outro. No entanto, o IPCA baixo é comemorado por amplos setores da sociedade, incluindo muitos economistas, como que anestesiados pelo longo período recessivo e pela desesperança política. A imprensa especializada em economia louva o “bom resultado, a boa gestão do Banco Central e a recuperação da credibilidade da política econômica”.

E ainda registra que agora só está faltando o equacionamento da questão fiscal, a única perna da política econômica que tem falhado; mas esta “tende a se resolver com as reformas a serem implantadas pelo novo Governo”. Novamente aqui aparece a anestesia, pois os mesmos que fazem esta análise se esquecem de observar que os resultados fiscais pioraram principalmente pela queda da arrecadação, consequência da atividade reduzida. Sem vendas e sem produção não se arrecadam impostos e as receitas públicas caem, aumentando os déficits públicos. Ou seja, não é por acaso que os resultados fiscais pioraram, eles também expressam a queda do PIB desde 2015.

Isto é, nem o IPCA foi tão bom, nem os resultados das contas públicas foram tão ruins; eles refletem, pelo menos em boa parte, o que aconteceu com a atividade econômica, cujo ritmo muito mais lento do que deveria ofereceu as respostas técnicas adequadas. Uma política mais agressiva de redução da taxa de juros teria gerado resultados bem melhores: mais emprego e renda, mais saúde financeira para as empresas e menor déficit público, tudo isto sem ameaçar o cumprimento da meta de inflação. O efeito colateral seria a diminuição do torpor característico dos processos pós-anestésicos.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora