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31 de dezembro de 2018
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10:38

O ano novo, o novo Governo e suas incertezas

Por
Sul 21
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O ano novo, o novo Governo e suas incertezas
O ano novo, o novo Governo e suas incertezas
Jair Bolsonaro. Foto: José Cruz/ Agência Brasil

Flavio Fligenspan (*) 

Na virada de 2017 para 2018 escrevi uma Coluna (“Feliz 2019 são os melhores votos para 2018”), dizendo que o melhor que poderia acontecer para a economia brasileira no novo ano é que ele passasse rápido e, se possível, confirmando as projeções que o mercado financeiro fazia para as principais variáveis: crescimento de 3%, inflação de 4,5%, taxa de câmbio estável e redução do desemprego.

Diante das incertezas do cenário externo e da fraqueza do Governo Temer, não sucumbir às tensões eleitorais de 2018 já seria um bom resultado. Pois bem, as variáveis não se comportaram exatamente como se previa, o que é natural, nem se esperavam alguns eventos importantes, como a greve do setor de transporte de cargas, que desestruturou o abastecimento por vários meses e repercutiu sobre a inflação e o nível de atividade. De qualquer forma, o fechamento de 2018 ficou longe de uma catástrofe.

A partir do episódio dos transportadores, se perdeu uma parte do crescimento antes imaginado e o Banco Central fez a outra parte, preferindo o caminho seguro (até demais) do lento rebaixamento da taxa de juros e, com isso, garantindo uma inflação bem comportada. O crescimento e a redução do desemprego ficaram para depois e os operadores do mercado financeiro consideraram que a Diretoria do Banco Central fez um excelente trabalho, “ancorando expectativas” e “reconquistando a confiança do mercado e a credibilidade da instituição”, expressões consagradas no meio.

Como o Governo Temer já havia se esgotado politicamente desde o episódio da gravação com Joesley Batista – no meio de 2017 – e do esforço de se livrar das acusações da Procuradoria Geral, não restava esperança de nenhuma ação mais ousada, como as reformas da previdência e tributária. Cabia à sociedade brasileira torcer para o tempo passar, de preferência sem grandes complicações. As expectativas ficavam transferidas para o novo presidente e sua capacidade de negociar com o Congresso a ser eleito.

Chegamos a 2019; qual é o problema? O principal problema é que a eleição, com sua ausência de debate, não nos entregou um mínimo grau de segurança em relação ao que pretende o Governo Bolsonaro para as questões mais importantes da economia brasileira. Também pouco se sabe sobre sua capacidade de negociar com um Congresso bastante renovado e fracionado em vários partidos e forças políticas muito heterogêneas. Um complicador a mais é a manifesta intenção de mudar o tradicional estilo de negociação, trocando os partidos pelas frentes de interesses – as bancadas –, sabidamente mais fragmentadas e bem mais difíceis de coordenar.

Por enquanto, na ausência de coordenação das falas dos diversos atores e grupos de poder – área econômica, militares, filhos do Presidente, bancadas temáticas –, as informações são vagas e muitas vezes contraditórias, quando não desmentidas pela mesma fonte num intervalo de poucos dias. Temas importantes, como privatizações, abertura comercial, independência da Diretoria do Banco Central, entre tantos outros, na verdade não têm sequer definições gerais realmente conhecidas.

As expectativas de que o grau de incerteza observado na passagem de 2017 para 2018 seria diminuído um ano depois não se confirmaram. Talvez até tenham aumentado, diante de manifestações de diversos membros do novo Governo e da ideia geral defendida por Bolsonaro desde antes da campanha de que “vai mudar isso daí”. Com este quadro de indefinições, como se movem os agentes econômicos nacionais e estrangeiros que precisam decidir caminhos de investimento e de aplicação de recursos?

Ora, investimentos produtivos vão ter que esperar mais um pouco, mas aí a urgência não se apresenta, já que os efeitos da recessão ainda produzem uma boa folga da capacidade instalada no passado. Em contrapartida, no mercado financeiro nunca há muito espaço para esperar e os agentes se agarram a probabilidades de acontecerem algumas das mudanças discutidas por membros do Governo em momentos variados antes e depois das eleições.

A aposta política tradicional nos períodos iniciais de governo é de que se use o capital eleitoral para fazer passar rapidamente medidas de peso, no caso específico de Bolsonaro as reformas estruturais. A depender do resultado das negociações com o Congresso e, portanto, da profundidade das mudanças obtidas, muitas incertezas dos últimos anos serão desfeitas, abrindo-se o caminho para alocações mais seguras dos recursos. Logo, os primeiros meses, talvez quatro a seis meses, vão definir o futuro da sociedade brasileira: ou teremos um novo rumo, com seus ganhadores e perdedores, ou continuaremos discutindo o tema da incerteza.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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