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3 de dezembro de 2018
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10:26

As dificuldades em lidar com a “Lei do Teto”

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As dificuldades em lidar com a “Lei do Teto”
As dificuldades em lidar com a “Lei do Teto”
EC 95 congelou investimentos nas áreas sociais. (Foto: Arquivo/Sintram/SJ)

Flavio Fligenspan (*)

Desde os momentos iniciais da discussão da Emenda Constitucional nº 95, antes, portanto, de se transformar na “Lei do Teto dos Gastos” em 2016, muitos já chamavam a atenção sobre o absurdo jurídico-administrativo que se estava criando. Contudo, o Governo Temer e seus apoiadores a defenderam com entusiasmo e a tem como um dos elementos fortes de seu legado. Para quem não lembra, trata-se da imposição de uma rigidez extrema com o nível dos gastos públicos, fazendo com que eles não tenham nenhum aumento real ao longo do tempo, sendo reajustados apenas de acordo com a inflação.

Tecnicamente, ela não se sustenta, visto que, se a população aumenta, o Estado tem sua demanda por serviços públicos naturalmente ampliada, logo maiores devem ser os gastos. Como o Estado tem se mostrado, historicamente, incapaz de bem administrar os recursos disponíveis, o que exigiria inclusive ganhos de produtividade e redução de custos médios dos serviços prestados, a “solução” foi controlar os gastos em caráter absoluto. Com isso, o Estado administrador abre mão de sua responsabilidade e empurra o problema do bom funcionamento do setor público para a população e para os servidores; eles que se ajustem, resolvam o conflito criado pela disputa de um orçamento pequeno para as necessidades, de acordo com os padrões atuais de funcionamento dos serviços públicos. Ora, como classificar um governo que se omite de suas principais tarefas, administrar o orçamento, arbitrar conflitos, buscar eficiência e resolver os problemas da sociedade?

Pois bem, agora o futuro super Ministro da Economia, um ferrenho defensor da disciplina fiscal e do enxugamento do setor público, portanto, um técnico que deveria estar entusiasmado com a restrição dos gastos, se deu conta da armadilha; com a “Lei do Teto” é difícil governar. Até mesmo o que parecia ser simples, para quem nunca viveu o regramento do setor público, torna-se difícil. Por exemplo, como transferir recursos dos leilões de exploração de petróleo feitos pela União para estados e municípios falidos, se eles forem considerados como despesa pública e entrarem na conta do teto dos gastos? E como estados e municípios vão gastar estes recursos? O que poderia ser uma boa notícia, a entrada de recursos para resolver os problemas da população, passa a ser um problema.

E mais, pela legislação que vincula receitas a gastos em áreas específicas, como educação e saúde, continua em vigor a conhecida e histórica rigidez do orçamento, algo que quem sempre viveu no mundo da economia privada não conhece. Qual a solução? Fazer o papel que cabe aos grandes administradores, que é resolver os gargalos do sistema e fazer mais com os mesmos recursos, o que se chama de ganhos de produtividade, ou propor a mudança das regras? O que se viu nas declarações da semana passada foi a busca pela saída mais fácil, a segunda opção, qual seja, propor uma mudança de legislação que diminua as vinculações e, se necessário, retire a indexação de itens das despesas, isto é, redução real de aposentadorias, benefícios, salários dos servidores etc.

Ou seja, se a “Lei do Teto” parecia boa para seus apoiadores, na prática não foi bem assim e a alternativa passa a ser exagerar na dose. Em vez de congelar gastos reais, a solução passa a ser reduzi-los, impondo sacrifícios à população carente dos serviços públicos e ao funcionalismo. Enquanto isso, pouco se fala em atuar também do outro lado do problema, o lado das receitas, com tanta margem de manobra e tantos bons temas para discutir.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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