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17 de dezembro de 2018
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11:10

Algo de fato mudou na economia brasileira? 

Por
Sul 21
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(Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Flavio Fligenspan (*)

Na semana passada discuti a possibilidade de uma suave retomada do crescimento econômico nos primeiros momentos do Governo Bolsonaro-Mourão. De forma simples, a idéia é que há folga em diversas variáveis, como juros relativamente baixos, elevada ociosidade nas plantas das empresas, desemprego alto, contas externas organizadas e, por fim, até como consequência, inflação baixa. Sem afastar a questão política de quem está bancando esta “folga”, isto quer dizer que é possível crescer sem causar pressões imediatas sobre os preços.

É claro que se trata da possibilidade de uma expansão de curto prazo; e sempre tendo em conta a magnitude da queda do PIB nos últimos anos, o que proporciona um efeito estatístico muito favorável. Basta ver que, se crescermos 1,4% em 2018 – para este número converge a maioria das apostas do mercado financeiro neste momento –, ainda fecharemos o ano com um nível de PIB 4,4% inferior ao de 2014. Portanto, a desgraça está dada e foi grande; estamos apenas falando em recuperar uma parte do que se perdeu recentemente, na maior crise econômica da história do País.

De qualquer forma, existem economistas entusiasmados com este novo ambiente, embalados pelas promessas de reformas, ainda que genéricas e, por vezes, contraditórias no seu conteúdo. Tão entusiasmados que começam a especular sobre a existência de um possível fato novo na economia brasileira, a redução da chamada taxa de juros neutra, a taxa que proporciona crescimento sem gerar inflação. As condições atuais seriam tão favoráveis que a taxa neutra, hoje estimada em cerca de 8% nominais, poderia estar em queda.

Quem pensa desta forma está baseado em diversas informações, algumas mais próximas de uma análise tipicamente conjuntural e outras com caráter estrutural. São exemplos das primeiras, o hiato do produto – a diferença que existe entre o potencial e o que efetivamente está sendo produzido –, a taxa de desemprego e a taxa de inflação, através de suas várias medidas, incluindo os núcleos de inflação. Já as estruturais estariam vinculadas a mudanças de fundo, recentemente implantadas, como a lei do “teto dos gastos públicos”, a reforma trabalhista e o novo papel do BNDES (com a TLP em substituição à subsidiada TJLP), além, é claro, de expectativas em relação a reformas anunciadas, como a previdenciária.

Admitamos que no curto prazo é bem possível apostar numa retomada, ainda que suave, sem tensões nos índices de preços e nas contas externas. Como se disse anteriormente, as condições estão dadas e a base de comparação fraca oferece esta possibilidade. A questão interessante é se no médio prazo tal crescimento – algo como, digamos, 3% ao ano durante aproximadamente quatro anos – pode se manter sem causar as pressões habituais, e mais, com taxa de juros neutra menor do que a atual. Isto sim estaria a demonstrar uma mudança estrutural da economia brasileira.

A partir deste ponto do raciocínio, as perguntas relevantes são: a) é verdadeira esta modificação que entusiasma alguns economistas neste momento, seja pelo que já aconteceu, seja pelo que está por vir? e b) se efetivamente se verificar tal mudança estrutural nos próximos anos, quem pagará a conta, quer dizer, que tipo de transferência de renda ocorrerá na sociedade brasileira, de tal forma a dar causa a um novo padrão de crescimento? E como desdobramento do item b, quais as consequências deste movimento sobre uma nova distribuição de renda, provavelmente consolidada por longos anos?

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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