Flavio Fligenspan (*)
Por motivos diversos, a campanha eleitoral para a Presidência da República foi impressionantemente pobre do ponto de vista da discussão de propostas econômicas. Somente algumas indicações vagas sobre “reformas” apareceram em meio à histeria do debate, ou melhor, da falta de debate. Esta foi a estratégia do candidato vencedor, que entendeu bem o momento e não quis arriscar o que parecia uma vitória antecipada. Consolidado o resultado, os primeiros anúncios começaram a aparecer, tanto de nomes para comporem o ministério, quanto de medidas, algumas de impacto. E junto com elas vieram os primeiros problemas, como contrariedades e tensões dentro da equipe já definida e contradições de objetivos.
A bem da verdade, algumas contradições já estavam expostas desde antes da eleição, como o choque entre a visão liberal privatizante do futuro Ministro Paulo Guedes e a histórica vertente nacionalista dos militares, especialmente nos temas considerados estratégicos, como energia elétrica, energia nuclear, petróleo, infraestrutura e até a venda da Embraer. Outro problema é a tentativa de junção dos Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, agravado por declarações quanto à retirada do Brasil do Acordo de Paris, com enorme repercussão negativa sobre nossas exportações de commodities agrícolas. Um complicador adicional nesta área é a posição quanto à mudança da Embaixada em Israel, que gera uma tensão grande com os países árabes, importantes compradores de proteína animal brasileira.
E para ficar no âmbito das repercussões de peso, há a criação do super ministério da Economia, englobando o do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, área de histórico controle e negociação dos interesses da indústria nacional. O futuro ministro, que reconhecidamente tem posições firmes e respostas duras, já declarou que salvará a indústria brasileira, apesar dos industriais. É certo que eles não gostaram nem da visão do ministro nem da declaração, e muito menos de perderem o tradicional canal de negociação de seus pleitos. É reconhecida a distinta visão dos ministérios do Desenvolvimento e da Fazenda, o primeiro mais sensível às empresas e o segundo sempre mais próximo da ótica da arrecadação tributária.
Todas estas tensões deverão ser equacionadas, envolvendo por um lado uma burocracia técnica que conhece bem o funcionamento da máquina pública, e, por outro, administradores recém chegados que têm pressa de mostrar resultados e nenhuma experiência no setor público. É fácil antever dificuldades, que geram incertezas, expectativas ora frustradas ora confirmadas. O fato é que é difícil prever o desfecho de tamanho jogo de forças; e não se espere uma capacidade de decisão final com qualidade técnica.
Fácil mesmo é prever um cenário de decisões difíceis e objetivos e forças contrariados. Se isto é verdade, o ambiente desde já pode ser caracterizado como de alto grau de incerteza. Fico me perguntado, então, de onde saiu o entusiasmo do mercado financeiro, expresso nos juros e câmbio, nesta primeira semana pós eleição? É apenas da idéia vaga de “reformas”? Parece-me uma base bem pouco sólida para jogar com o destino de um volume tão grande de recursos, mas é assim que tem funcionado o mercado financeiro brasileiro.
(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
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