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15 de outubro de 2018
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11:21

Sobre a necessidade urgente de crescer

Por
Sul 21
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“No final deste ano teremos um PIB 4,7% inferior ao de 2014”. (Foto: Agência Brasil)

Flavio Fligenspan (*)

Diante do resultado do primeiro turno da eleição presidencial, na semana passada saí da minha área de formação para escrever um texto de cunho político. Volto agora ao meu chão, falando sobre a necessidade da retomada da atividade. Não se trata de confrontar propostas, mas de verificar a dificuldade de compatibilizar a urgência do crescimento com as difíceis condições para que ele se concretize no curto prazo.

Independentemente de quem sair vitorioso do segundo turno das eleições presidenciais, o novo governo haverá de dar respostas firmes em relação ao tema do crescimento econômico. Depois de termos recuado 3,5% em 2015, igualmente 3,5% em 2016 e crescido apenas 1% em 2017, a perspectiva para 2018 está em pouco acima de 1%. Feitas as contas, isto significa que no final deste ano teremos um PIB 4,7% inferior ao de 2014. Num período de quatro anos, andamos para trás; nada pode ser pior em economia. Se a conta fosse feita em termos per capita, o resultado seria ainda mais negativo, dado o aumento da população. Os números são suficientemente fortes para mostrar o tamanho do problema em que nos metemos com repercussões sobre o nível de emprego, inadimplência e fechamento de empresas.

Uma das únicas vantagens de uma situação como esta é ter uma série de fatores disponíveis para uma retomada, tanto no que se refere à população que necessita voltar ao mercado de trabalho ou ampliar o número de horas trabalhadas, como à enorme capacidade ociosa das empresas, pronta para ser reutilizada. É claro que não se devem desprezar as dificuldades, sejam de ordem institucional e política, sejam as de fazer voltar a funcionar uma engrenagem econômica que ficou semi parada, como um motor sem uso e sem lubrificação.

Há vários recortes possíveis para analisar a questão. Um deles é separar o assunto em curto e longo prazo. É no curto prazo que têm efeito positivo os fatores antes mencionados, mão de obra e estrutura produtiva disponíveis. Obviamente, nossa crise não se explica pelo lado da oferta, pois há fatores de produção sobrando, o que afasta pressões inflacionárias imediatas – mais uma vantagem. O problema é como incentivar a demanda para que ela ponha em marcha esta capacidade produtiva ora parada. Como já discuti tantas vezes nesta Coluna, nos últimos anos se afastou do debate a possibilidade de o gasto público ser usado para comandar o momento inicial deste impulso. Seja por resultados fiscais ruins, seja por preconceito ideológico ou mesmo por falta de conhecimento sobre o tema, abrimos mão de contar com este canal de incentivo tão usado em outras ocasiões e por tantos outros países.

Numa situação de recessão e de mercado internacional fraco, os outros setores que poderiam puxar nosso crescimento estavam bloqueados. Nos restou esperar o tempo passar e torcer para que alguns entraves fossem solucionados, como a redução da inadimplência, por exemplo, o que recolocaria consumidores em posição de novamente contratarem operações de crédito, ativarem o comércio e a indústria. Mas este ajuste tem sido lento, até porque o mercado de trabalho tem custado para sair da sua pior crise. Na ausência de forças externas que propiciassem um primeiro impulso, ficamos naquela situação dos ocupantes de um carro em pane que tentam empurrá-lo de dentro do próprio carro. Difícil.

Lembro do momento do impeachment de Dilma, em 2016, quando os que defendiam a troca do Presidente diziam que ela, por si só, traria uma volta da confiança empresarial e, com isso, a retomada dos investimentos e do crescimento. Era um tipo de “fator externo” que se buscava, evidentemente sem o menor sentido econômico. Afinal, por que empresas tocariam planos de investimento quando trabalhavam com capacidade ociosa e não encontravam demanda para sua produção? Mas claro, já se sabia que o argumento era somente para tentar dar uma sustentação econômica ao processo político do impeachment.

Um aspecto conjuntural novo, que favorece a retomada é o ajuste cambial que ocorreu neste ano, em função das incertezas eleitorais e também das alterações da política econômica norte americana. O fato é que a taxa de câmbio mudou de patamar e isto aumenta a competitividade dos produtos brasileiros, tanto no mercado interno, quanto na exportação. Enfim, há pequenos incentivos, mas nada indica que a necessária retomada venha com força e na velocidade requerida pela sociedade.

Outro aspecto que poderia servir como incentivo é a enorme necessidade de investimentos em infraestrutura. Este sim representa um gargalo do lado da oferta, que conta inclusive com o capital estrangeiro com muita vontade de participar. Neste caso, a dificuldade não é a falta de demanda; ela está bem dimensionada pelo grande capital disposto a colocar recursos. O problema é institucional, ajustar regras claras dos leilões, para não aparecerem entraves jurídicos logo à frente, ajustar normas com as agências reguladoras e com o sistema de licenciamento ambiental, e acertar o regime tributário e de remessa de lucros. Só que isto nos leva para o médio ou longo prazo, até que estes arranjos sejam refeitos de forma confiável. Má notícia, dado que este é um setor que gera muito emprego, estimula outros setores e, uma vez concluídas as obras – que não são rápidas – aumenta a produtividade sistêmica da economia. De novo, vale dizer, a retomada não será rápida. Fica a pergunta, haverá tempo político para este equacionamento?

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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