Colunas>Flávio Fligenspan
|
22 de outubro de 2018
|
11:18

“Nossos automóveis (ainda) são carroças”

Por
Sul 21
[email protected]
“Nossos automóveis (ainda) são carroças”
“Nossos automóveis (ainda) são carroças”
No processo eleitoral de 2018, volta a questão do atraso da indústria brasileira, sua falta de competitividade e seu relativo fechamento às importações. (MAN / Divulgação)

Flavio Fligenspan (*)

“Nossos automóveis são carroças” era uma das frases de efeito que Collor usava na campanha eleitoral de 1989, quando começou como um azarão nas pesquisas e acabou vencedor no segundo turno. Havia outras frases de impacto como esta e promessas de arrumar o País rapidamente. O adversário era Lula, que na época ainda fazia questão de se apresentar como um político radical, o que na verdade nunca foi. A vitória no segundo turno foi até fácil, diante do temor da sociedade do que poderia ser um governo do PT. E a grande imprensa fez o seu papel a favor de Collor, reconhecido até com pedido de desculpas muitos anos depois.

O fato é que a frase de efeito tinha sentido. Naquele momento da história nossa indústria de transformação produzia não só automóveis muito defasados tecnologicamente, mas quase tudo que fabricava tinha um padrão tecnológico bem distinto do melhor padrão internacional. Nós ainda estávamos vivendo o final do grande ciclo de super proteção comercial com duração de aproximadamente seis décadas e os países que lideravam a corrida industrial já viviam em plena implantação do paradigma microeletrônico. Por aqui, produtos e processos produtivos desconheciam chips, as máquinas ainda eram todas de controle mecânico, não computadorizado, e a produtividade era muito baixa.

A promessa de modernização da economia em geral, e da indústria em particular, via abertura às importações de máquinas, de matérias primas e de produtos finais, era mais do que natural naquele contexto e contou, inclusive, com o apoio dos empresários do setor. Mas tal apoio foi feito às pressas, em parte porque eles achavam que o discurso do candidato era só para ganhar votos e em parte porque queriam evitar o adversário de qualquer maneira. Estava implícita a idéia de que, após a posse, o Presidente seria controlado.

Como se sabe, não foi bem isso que aconteceu. Collor começou a executar a promessa de abrir o País às importações e o fez sem muito preparo, pegando muitos setores e muitas empresas sem nenhuma capacidade de competir com os produtos estrangeiros. Resultado, falências, perda de empregos, rearranjos estruturais de diversos setores e compra de empresas brasileiras por estrangeiras a baixo preço. As empresas que conseguiram se adaptar sobreviveram ao impacto e passaram por processos de enxugamento, redução de custos e ganhos expressivos de produtividade. Mas Collor não foi controlado e começou a perder o apoio empresarial. Claro que não foi só por isso, seu plano econômico de março de 1990 foi devastador.

Mesmo que a indústria brasileira tenha mudado bastante desde 1990, muitas condições adversas continuam presentes, reduzindo a competitividade do produto nacional, tanto no mercado doméstico, quando enfrenta produtos importados, como no mercado internacional. São conhecidas as dificuldades com juros elevados, tributação, infraestrutura e uma taxa de câmbio há muitos anos desfavorável. Não por acaso, desde os anos 1990 começou a discussão sobre desindustrialização no Brasil, isto é, a perda de peso da indústria na economia, com diversas consequências negativas.

Agora, no processo eleitoral de 2018, volta a questão do atraso da indústria brasileira, sua falta de competitividade e seu relativo fechamento às importações. Naturalmente, retoma-se a proposta de redução de alíquotas de importação como uma maneira de forçar as empresas a fazerem avanços tecnológicos e reduzirem custos. Para os diversos países do mundo há cálculos sobre a relação entre maior abertura comercial e seus resultados positivos, dentre eles o aumento das exportações. Tal relação é conhecida, varia de setor a setor e para cada país, mas não há dúvida sobre ela. Claro, a importação facilitada de máquinas e matérias primas de maior qualidade eleva a competitividade do produto nacional, mas cada empresário quer importações maiores e mais baratas dos bens que ele compra e barreiras para os produtos que são seus concorrentes, preservando o mercado interno.

É provável que avancemos nos próximos anos para um novo padrão de maior abertura, porém há que se calibrar cuidadosamente o intervalo de tempo e a intensidade em que se dará o movimento, porque o ponto de partida atual é de uma indústria reduzida em tamanho, fragilizada e com pouca musculatura para resistir a impactos. Submetida a condições de produção bem piores que as de seus rivais, principalmente na combinação entre câmbio e juros, a chance de perdermos o pouco que restou não é desprezível. E é certo que, tal como em 1990, não se deve esperar amplo apoio do setor.

Como a atividade industrial ainda é decisiva para influenciar as demais e, assim, puxar um crescimento mais pujante da economia, muita esperança se deposita sobre ela. Por isso, faço aqui a mesma pergunta que deixei no final do texto da semana passada, quando concluía que a retomada da economia brasileira não será rápida. Haverá tempo político para este equacionamento ou as frustrações logo vão se sobrepor?

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora