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10 de setembro de 2018
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14:05

A política fiscal num eventual Governo Haddad

Por
Sul 21
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A política fiscal num eventual Governo Haddad
A política fiscal num eventual Governo Haddad
Foto: Reprodução/Facebook

Flavio Fligenspan (*)

Ninguém sabe ainda como o atentado a Bolsonaro vai influenciar o processo eleitoral. É muito cedo para avaliar se ele sai ganhando com o fato de ter sido vitimado ou se perde com a descontinuidade de sua campanha. O mercado financeiro, sempre – e necessariamente – muito ágil nas suas reações, apostou que Bolsonaro ganhou com o episódio. Havia muito pouco tempo para que tal aposta aparecesse, afinal o atentado foi no meio da tarde de quinta feira e o mercado fechou logo depois, para só reabrir na segunda (10/9). Ainda assim, caiu o valor do dólar e a Bolsa subiu no final do pregão. Pelo menos duas interpretações se apresentaram: (i) nestas circunstâncias, os eleitores se colocariam do lado do agredido, aumentando suas chances de vitória e (ii) Alckmin, que vinha tentando ganhar votos de Bolsonaro com uma propaganda agressiva no espaço eleitoral, teria que recuar, pelo menos por um tempo.

Num primeiro instante este cenário reforça a possibilidade de um segundo turno entre Bolsonaro e Haddad. Como se comportariam os eleitores dos demais candidatos nesta circunstância e qual o papel do PSDB? A taxa de rejeição a Bolsonaro, que era alta, poderia cair diante do atentado? Difícil responder neste momento. Na coluna anterior a esta, na última semana de agosto, especulei sobre as linhas gerais da economia num possível Governo Haddad. Acho que vale retomar o tema.

Começando pela questão fiscal, eu dizia que ela terá duas vertentes: uma conjuntural, que passa pela reorientação da política econômica para um ciclo de retomada do crescimento a partir de 2020, com a consequente elevação das receitas públicas; e outra estrutural, que envolve a redução da regressividade tributária e a inevitável reforma da previdência. Vale acrescentar uma também inevitável revisão/redução dos inúmeros benefícios fiscais de empresas e de rendimentos do capital. Dizia também que a velocidade do ajuste fiscal dependerá da recuperação da atividade e da expansão do emprego, isto é, os históricos compromissos políticos do PT não permitiriam a continuidade do alto desemprego em prol do ajuste das contas públicas.

A consequência natural e esperada do ajuste, que é a redução da relação dívida/PIB, pode esperar ou pelo menos ocorrer de forma mais lenta do que o sistema financeiro gostaria. Não haverá crise de credibilidade, aumento dos juros de longo prazo ou rebaixamento de nota pelas agências de classificação de risco, desde que o caminho de redução seja crível e gere confiança.

Neste ponto está marcada uma diferença de fundo com as propostas dos demais candidatos, que pregam um ajuste fiscal rápido. Um eventual Governo Haddad trabalharia para construir uma política fiscal anti-cíclica, isto é, resultados primários (sem considerar os juros da dívida) positivos e relevantes só se justificariam em períodos de expansão do PIB, justamente para que se tivesse folga para usar nos momentos de queda da atividade e da arrecadação. Esta seria uma lição aprendida com os erros anteriores, em que o gasto evoluiu independentemente das etapas do ciclo econômico. Não se trata de usar irresponsavelmente a política fiscal; bem pelo contrário, o objetivo é fazer uma política ativa diante do ciclo, para ajudar a suavizar seus efeitos negativos na fase ruim, e exigir sua colaboração em forma de superávits na fase de alta.

Para tanto, políticas como a do teto de gastos teriam que ser revistas, já que impõem uma rigidez incompatível com o uso inteligente do gasto público. Penso que vale algum tipo de regulação dos gastos, desde que, novamente, de acordo com as fases do ciclo, e respeitando a necessidade e a utilidade de investimentos públicos, especialmente em infraestrutura. Este tipo de despesa tem alto efeito multiplicador de renda e é gerador de emprego, além de estimular o investimento privado e contribuir para o acréscimo da produtividade sistêmica, como no caso dos transportes e da mobilidade urbana. Separar gasto público corrente de investimento, para fins de controle orçamentário e de políticas de teto, seria uma excelente proposta. Outros temas importantes, como uma imprescindível política de recuperação da atividade industrial, associada ao câmbio e ao financiamento de longo prazo, serão tratados em uma próxima oportunidade.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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