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20 de agosto de 2018
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13:45

Homens e mulheres unidos na desgraça do mercado de trabalho

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Sul 21
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Homens e mulheres unidos na desgraça do mercado de trabalho
Homens e mulheres unidos na desgraça do mercado de trabalho
As informações sobre a situação do mercado de trabalho no Brasil seguem ruins. (Foto: Agência Brasil)

Flavio Fligenspan (*)

As informações sobre a evolução do mercado de trabalho brasileiro seguem ruins, como era de se esperar diante de um crescimento raquítico da economia e uma inação por parte do Governo. O IBGE acaba de divulgar os resultados da PNAD Contínua referentes ao segundo trimestre de 2018; a taxa de desemprego caiu levemente, para 12,4%, mas permanece muito elevada, enquanto a maioria dos postos gerados são informais. O reflexo disso é uma remuneração frágil que só reforça a situação de inadimplência de milhões de famílias, o que não alimenta o consumo e a produção. Dessa forma não saímos desse círculo vicioso tão cedo.

Em meio a este ambiente desanimador, apareceu a informação de que tem caído a diferença da taxa de participação de homens e mulheres no mercado de trabalho. A taxa expressa o percentual de pessoas em idade de trabalhar ocupadas ou procurando ocupação em relação ao total de pessoas na faixa etária acima de 14 anos. Os homens têm taxas mais elevadas, quer se observe ao longo do tempo, quer nos diferentes lugares onde se mede tal variável, fundamentalmente por aspectos culturais e por falta de políticas públicas de amparo às famílias de baixa renda, como a falta de creches. As mulheres ainda ficam mais em casa, organizando a vida das famílias e cuidando dos filhos e dos idosos, tarefas reconhecidamente pesadas e pouco valorizadas.

Pois bem, o último dado disponível mostra que os homens brasileiros tinham taxa de participação de 72% no início de 2018 e as mulheres, 52%, em números redondos. A diferença de 20 pontos percentuais é a menor dos últimos anos e caiu rapidamente durante o auge da crise recente, entre 2015 e 2016, quando a recessão foi intensa e perdemos mais de sete pontos de PIB. O que à primeira vista poderia ser entendida como uma boa notícia é, na verdade, expressão da desgraça que se abateu sobre a economia e a sociedade brasileira, pois as mulheres só foram participar mais intensamente do mercado de trabalho – na condição de ocupadas ou procurando ocupação – porque outros membros da família perderam seus empregos e/ou viram seus rendimentos recuarem.

O baque no orçamento familiar não se coadunou com os compromissos assumidos nos momentos anteriores à crise: prestações de bens de consumo duráveis e imóveis, mensalidades de serviços como a instrução dos filhos etc. A saída foi cortar despesas o mais possível e tentar alternativas para engrossar as receitas mensais, o que incluiu a pressão feminina no mercado de trabalho. O movimento é conhecido de outros momentos de crise e vale também para o trabalho de crianças – este proibido, mas conhecido na realidade – e de adolescentes que deixam a escola para tentar acrescentar mínimas porções ao orçamento doméstico, no mais das vezes na informalidade. Quando a economia retoma um ritmo um pouco mais intenso, o movimento retrocede e a pressão sobre o mercado de trabalho cai.

Esta é a explicação atual para a queda da diferença entre a taxa de participação de homens e mulheres; portanto, não se trata de uma boa notícia, que seria reflexo de mudanças culturais permanentes ou do aumento das estruturas públicas de apoio às famílias que propiciassem às mulheres buscar ocupação. Só o crescimento econômico sustentado pode mudar o jogo no mercado de trabalho, colaborando para o aumento da ocupação e do rendimento de homens e mulheres, simultaneamente.

No presente o que se está observando é a competição entre trabalhadores de ambos os gêneros por um pequeno número de vagas, acirrando as diferenças e até criando um sentimento de aversão “pelo outro”. Na visão vulgar de uma sociedade ainda preconceituosa e machista, uma nova vaga hoje eventualmente ocupada por uma mulher não é vista como um posto de trabalho que ajuda o país a produzir e crescer, mas sim como a vaga que foi “retirada” de um homem e que ajuda a reduzir rendimentos de todos pela competição entre os ofertantes de força de trabalho. A atual redução da diferença entre os gêneros não é a queda pretendida, a ser comemorada, reflexo de uma mudança positiva dos tempos, é a expressão da desgraça em que nos metemos a partir de 2015 e que ainda está longe de ser resolvida.

A solução simples e evidentemente errada foi dada por um jornalista famoso em Porto Alegre nos duros anos da década de 1980; evitar a presença feminina no mercado de trabalho, já que elas pressionavam o mercado e acabavam até por aumentar as estatísticas do desemprego. Como se um país que precisasse crescer pudesse abrir mão de fatias significativas de sua força de trabalho. Não lhe ocorreu que o problema não estava ali onde ele enxergava, estava num arranjo de política econômica que equivocadamente prescindia de parte da população ativa. Que absurdo, ter pessoas dispostas a trabalhar não pode ser ruim. Ruim é ter uma política que não incorpore as pessoas à produção e ao consumo.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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