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16 de abril de 2018
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12:54

Spread e concorrência bancária

Por
Sul 21
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Spread e concorrência bancária
Spread e concorrência bancária
Conselho Monetário Nacional criou regras para diminuir os custos com o chamado “rotativo do cartão”. (Foto: EBC)

Flávio Fligenspan (*)

O spread bancário – a diferença entre o que os bancos pagam para captar recursos e o que cobram de seus clientes nas diversas modalidades de crédito – é um tema de longa e multifacetada discussão no Brasil. Passam os anos e os governos e o spread continua sempre muito elevado, ajudando a explicar o drama das famílias endividadas e, por outro lado, o lucro do sistema financeiro. A composição do spread tem sido muito estudada no Brasil e é verdade que os bancos incorrem em custos com pessoal, impostos, inadimplência e recolhimento compulsório, às vezes até maiores que os do sistema de outros países. Contudo, a margem sobre todos estes custos é muito alta e aí está a maior explicação para o spread.

Atento à questão e tentando melhorar a situação financeira de muitas famílias apanhadas no contrapé pela crise de 2015/2016, em 2017 o Conselho Monetário Nacional criou regras para diminuir os custos com o chamado “rotativo do cartão”, forçando os bancos a oferecerem linhas de crédito mais baratas para quem antes permanecia devendo ao cartão por longos períodos. A dívida por vários meses no cartão, com taxas de juros muito altas, gerava um passivo quase impossível de saldar. Não eram poucos os casos em que alguém começava com uma dívida pequena e rapidamente se via diante de um valor exorbitante e impagável. Além do aspecto moral, o devedor ficava alijado do sistema de crédito por muito tempo, inviabilizando novos acessos a bens financiados. Ruim para a família endividada e ruim para a economia do País.

Pois bem, na semana passada a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) anunciou que, voluntariamente, iria implementar regras semelhantes para o cheque especial. Tal como o crédito “rotativo do cartão”, o cheque especial também é uma linha de crédito automática, sem garantias diretas, como no financiamento do automóvel ou do imóvel, que podem ser retomados, portanto uma linha de alto risco para o credor. Com base nisto os bancos costumam cobrar elevadas taxas de juros, usando como justificativa as características próprias deste tipo de crédito. Claro que entre a justificativa técnica e a taxa efetiva vai uma grande diferença; assim, por exemplo, a taxa do cheque especial vem girando em mais de 300% ao ano, num ambiente em que os bancos captam recursos a mais ou menos 6% ao ano e a inflação está menor do que 3% ao ano. Haja custos e inadimplência para explicar tamanha diferença.

O anúncio da Febraban levanta pelo menos duas questões. A primeira é que, obviamente, há muita margem para redução dos juros na ponta do consumidor e ainda resta amplo espaço para os bancos obterem lucros. A segunda é que o elevado spread, uma característica histórica do sistema bancário brasileiro, advém da falta de concorrência entre as maiores instituições. Basta ver que os cinco maiores bancos, incluindo os estatais Banco do Brasil e Caixa federal, detém cerca de 80% dos ativos do sistema, percentual que tem crescido nos últimos anos.

Lembre-se que no início do Plano Real, na metade da década de 1990, alguns economistas entusiasmados com o novo ambiente de estabilidade, saudavam a chegada de novos bancos estrangeiros ao País, o que “iria aumentar a concorrência”. Entre eles estavam os espanhóis BBVA e Santander. O primeiro deles não aguentou a competição e logo se despediu do Brasil e o segundo compõe hoje o grupo dos cinco maiores, inclusive absorvendo rivais pelo caminho. Ao contrário de aumentar a concorrência e reduzir juros aos correntistas, o Santander participa ativamente do oligopólio bancário e cobra taxas e juros muito elevados, tanto quanto seus “rivais”.

A medida da semana passada ainda suscita outra questão. A Febraban anunciou que os bancos a tomaram voluntariamente. Não parece, visto que é uma medida bem semelhante à do ano anterior, imposta pelo Conselho Monetário Nacional, do qual faz parte o Presidente do Banco Central (BC). Este tem declarado, reiteradamente, a necessidade de reduzir o spread no Brasil, como um dos itens importantes a embasar a retomada da atividade. E é claro que ele conhece bem o mercado, pois antes de assumir a tarefa no BC era o economista-chefe do Itaú. Portanto, é razoável pensar que o BC solicitou uma atitude dos bancos que teriam respondido positivamente, pelo menos no sentido da redução do ônus aos tomadores de crédito. No sentido sim, na magnitude da redução, esperemos para ver.

Porém, se a atitude realmente partiu dos bancos, ela não reforça uma parte do problema? Isto é, tomada em conjunto, como uma conduta padrão, ela não mostra justamente a falta de competição que sustenta o spread elevado? Por que, ao contrário do que aconteceu, um dos maiores bancos não resolveu, individualmente, como uma medida de competição com os demais, oferecer vantagens aos seus clientes na linha do cheque especial?

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)


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