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2 de janeiro de 2018
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11:15

Feliz 2019 são os melhores votos para 2018

Por
Sul 21
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“Se nada sair muito fora do controle, tanto externa quanto internamente, atravessaremos sem brilho e sem sobressaltos o ano de 2018”. (Foto: Divulgação Volkswagen Brasil)

 Flávio Fligenspan (*)

Neste início de ano recorro a um artifício conhecido para falar de um período do qual pouco se espera do ponto de vista da economia. O que mais se quer de 2018 é que passe rápido e sem surpresas, ou seja, que entregue resultados econômicos em torno do centro das projeções da maioria dos analistas: crescimento de 3%, inflação de 4,5%, taxa de câmbio estável (um pouco acima da atual), redução (infelizmente, suave) do desemprego, déficit público um pouco menor que o de 2017 e contas externas um pouco piores, os dois últimos itens como resposta ao fato de que o PIB vai crescer levemente, depois da maior recessão da nossa história.

Tendo em vista a chance de sequer se alcançar estes pífios resultados, seja pelas variações que a economia mundial pode oferecer, seja pela deterioração do cenário doméstico, chegar no final do ano com estas projeções confirmadas pode ser considerado bom. Que surpresas a economia mundial pode nos aprontar? São inúmeras possibilidades: uma elevação mais rápida do que o previsto dos juros americanos; uma mudança tributária dos Estados Unidos; uma desaceleração da economia chinesa; além, é claro, de conflitos internacionais de porte, como no Oriente Médio e com os Estados Unidos, a Coréia do Sul e o Japão, por um lado, e a Coréia do Norte do outro.

O que de melhor aconteceu na economia brasileira em 2017 foi a redução consistente da inflação e, junto com ela, a queda da taxa de juros básica. Contudo, nossa taxa de juros depende não só da inflação doméstica, mas também da taxa de juros americana, dada a possibilidade dos capitais se moverem livremente pelo mundo em busca da melhor relação risco-rentabilidade. Se o Banco Central americano resolver elevar os juros a uma velocidade além da hoje prevista, é certo que isto mexerá com as aplicações no Brasil, alterando o fluxo cambial e a taxa de câmbio, com reflexos sobre a inflação. A resposta do Banco Central brasileiro seria aumentar a nossa taxa de juros, revertendo o movimento iniciado no meio de 2016 e completado em 2017. Da mesma forma, uma mudança tributária nos Estados Unidos, tal como está sendo projetada, que gerasse um fluxo de capital do resto do mundo de volta para a matriz americana, geraria para nós o mesmo efeito do aumento dos juros.

Já uma desaceleração do crescimento chinês, visto que a China nos compra montanhas de matérias primas, desde produtos agropecuários até produtos da indústria extrativa mineral, também terá impacto negativo sobre nosso pequeno crescimento, seja pelo efeito sobre o emprego e a renda, seja pela repercussão sobre as contas externas.

Como se sabe, a China está vivendo uma tentativa de emplacar um novo modelo de expansão, mais vinculado ao consumo doméstico, o que é bom para as exportações brasileiras, mas não há certeza sobre o sucesso deste projeto.

E o cenário doméstico também pode decepcionar, principalmente, pela frágil “relação de confiança” entre mercado financeiro, (des) Governo Temer, evolução da dívida pública e cenário eleitoral. Aqui as fontes de instabilidade são realmente grandes e dependem muito de apostas, especulações e “mentiras sinceras que interessam” a muitos lados.

O sistema financeiro faz de conta que está muito preocupado com a evolução da dívida pública, que por sua vez depende dos juros (agora mais baixos) e do resultado das contas públicas. As contas públicas, por sua vez, dependem muito da recuperação da economia, que é influenciada pelos juros e pela confiança de famílias e empresas no futuro. E o futuro depende do debate eleitoral em si (lembre-se sempre das reformas e de como elas serão tratadas no debate) e do resultado das eleições. O jogo é realmente intrincado, mas não me parece que os grandes interesses aceitem apostar no rompimento do frágil equilíbrio.

Se nada sair muito fora do controle, tanto externa quanto internamente, atravessaremos sem brilho e sem sobressaltos o ano de 2018. Hoje isto é mais um desejo do que uma aposta firme. E tudo se transfere para 2019, com o novo governo e com a nova coalizão de forças dentro do Congresso renovado. Seja lá quem ganhar as eleições vai ter que estabelecer uma nova relação com o Congresso e vai ter que negociar mais com a sociedade. As mudanças com impacto significativo na vida dos brasileiros, como a reforma da previdência e algo que se possa chamar de reforma tributária, não vão passar sem esta negociação. O fato é que tais decisões pertencem ao mundo da política e não ao da economia. Por isso, que 2018 passe rápido e quase despercebido pela economia brasileira, confirmando as projeções medíocres do mercado financeiro. E que venha logo o ano novo de 2019.

(*) Flávio Fligenspan é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS.


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