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8 de novembro de 2016
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10:00

Ocupações: Aprender pressupõe agir

Por
Sul 21
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20161007-ocupacao-escolas-ensino-medioPor Fernanda Melchionna e Bernardo Corrêa

Ninguém tira o trono do estudar
Ninguém é o dono do que a vida dá
E nem me colocando numa jaula
Porque sala de aula essa jaula vai virar… [1]
(Dani Black)

O epistemólogo Jean Piaget considerava que as ações dos sujeitos sobre o meio são o motor da aquisição de conhecimento. Nesta interação entre sujeito e objeto, desde que nascemos, vamos formando novos “esquemas de ação” frente às situações-problema que nos interpelam. Ao longo de nosso desenvolvimento mediado pela nossa ação, o conhecimento se formaliza, generaliza e complexifica em novas estruturas cognitivas que, para além de nos permitir saber mais, nos permitem transformar o meio e a nós mesmos. Pensando em termos político-sociais, parece pertinente estabelecer uma relação análoga entre sujeito coletivo, ação social e consciência, a partir do fenômeno das ocupações de escolas e universidades. Neste momento político do país, especialmente, as ocupações são ao mesmo tempo, ação e aprendizado.

O Brasil experimenta nesses dias, uma nova onda de ocupações em protesto ao maior ataque à educação pública dos últimos 20 anos.

Seu plano de ataque à educação está assentado em um perverso tripé. A primeira pata é a reforma do Ensino Médio, a MP 746,  que incide na dimensão do conteúdo, da mercantilização dos currículos e do tecnicismo no aprendizado; a segunda é a PEC 55, que incide brutal e negativamente sobre o financiamento da educação em todos os níveis e outras áreas sociais importantes por 20 anos; a terceira, é o cínico projeto da Escola Sem Partido, que incide sobre a dimensão da forma ou, se preferir, do método como se educa, buscando torná-lo extremamente autoritário, acrítico e, por isso mesmo, retrógrado e ineficaz. Se vencedor, o plano de ajuste fará um estrago na educação desde o nível médio até a pós-graduação (em forma, conteúdo e financiamento). Essa política, todavia, luta para se impor. Não deixar que este tripé se complete será o grande desafio imediato das ocupações. Mas não se encerra aí.

Sabemos que não é de hoje que as escolas vem sendo atacadas. Com a crise da dívida dos estados e as políticas de desresponsabilização do governo federal para com o ensino básico, produziu-se um cenário no qual convivem professores com salários péssimos e parcelados, escolas deterioradas e sem equipamentos, com estudantes desmotivados, descrentes nos métodos tradicionais de ensino… No início de cada aula também respondem à chamada a crise, a fome, os problemas de casa, do trabalho ou da falta dele.

Mas, eis que na iminência de novo ataque, a meninada passou à atividade e reivindica o que é seu: “a Escola é Nossa!” dizem, e logo contagiam as universidades, que serão muito castigadas em seus orçamentos caso se complete o ataque, especialmente se aprovada a PEC 55. De fato é deles, como a concha é do caracol, mas os serviçais políticos do empresariado já calculam a possibilidade de ganhar muito mais dinheiro com a educação básica.

Saímos de um calendário de eleições municipais marcado pelo crescimento do número de votos na direita, pelo encerramento do ciclo petista e, sobretudo, pelo descontentamento com o regime político, expresso no crescimento das abstenções, votos nulos e brancos. Em alguns casos, nós do PSOL conseguimos afirmar uma alternativa, mas de modo geral a Lei da Mordaça de Cunha, com suas regras draconianas e a traição do PT com seu desfecho trágico, impediram um maior avanço de um campo à esquerda da casta política, independente do regime e enraizado nas lutas sociais. Ainda assim, a ação independente dos estudantes não permitiu que o signo seja de estabilização do governo, por meio de ataques aos direitos, sem que haja uma intermitente resistência. A abstenção que se expressou nas urnas é um misto de dúvida, decepção e resignação. Mas as/os estudantes estão demonstrando que mesmo decepcionado, resignar-se não ensina. Aprender pressupõe agir.

O novo e mais importante é que milhares de jovens entraram na turva cena política do país com seus métodos, rebeldia e criatividade frente à sanha do governo ilegítimo de Temer em repassar o custo da crise aos mais pobres. Mais do que uma luta pela educação pública, que é da maior importância, as experiências recentes das/os estudantes que ocupam as instituições de ensino já produzem novos esquemas de ação coletiva, frente a uma conjuntura bastante defensiva. As/os que ocupam atuam sobre o presente, aprendem com ele, mas também predizem um futuro para o país e, dessa forma, mesmo tão jovens, também ensinam.

As tentativas de criminalização e intimidação não contiveram o movimento, elas seguem e ele também. Por meio de um jogo político com o ENEM, o mesmo governo que não aceitou o diálogo com os estudantes, ao invés de transferir o local da realização da prova como foi feito na eleição, de maneira sórdida tentou jogar estudantes que sofrerão com os impactos da precarização da educação contra jovens que lutam contra este desmonte. Certamente, aumentarão a repressão para evitar o crescimento mais substantivo, mas isso deve ser enfrentado com maior organização, democracia e nacionalização. A força da liderança das meninas-mulheres nas ocupações, o combate à intolerância, à LGBTfobia e ao racismo no movimento anunciam que esta geração está passando por uma transformação em sua consciência.

Viva a luta dos estudantes que ocupam as escolas e universidades e não se abstém de construir um novo futuro para o Brasil “na rua, na rede, na raça”!

.oOo.

[1] Música composta em homenagem às ocupações de escolas de 2015, gravada por inúmeros artistas  – André Whoong, Arnaldo Antunes, Chico Buarque, Dado Villa-Lobos, Dani Black, Felipe Catto, Felipe Roseno, Fernando Anitelli, Hélio Flanders, Lucas Santtana, Lucas Silveira, Miranda Kassin, Paulo Miklos, Pedro Luís, Tetê Espíndola, Tiago Iorc, Tiê, Xuxa Levy, Zélia Duncan – sem fins lucrativos.

https://youtu.be/14NqOdRY_Ls

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Fernanda Melchionna é vereadora do PSOL em Porto Alegre e Bernardo Corrêa é sociólogo e militante do PSOL.


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