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11 de outubro de 2017
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22:30

Longo adeus

Por
Sul 21
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Longo adeus
Longo adeus
Vincent Van Gogh: Wheatfield with crows, 1890.

Ernani Ssó

Faz de conta que estou no trem e aceno na janela com um lenço branco. Sim, trata-se de uma despedida. Mas não sei exatamente quem ficou na estação – pra ser claro, não conheço a multidão formada por meus cinco leitores. Não consigo distinguir nenhum rosto. Vai ver, aqueles caras estão se despedindo da pessoa errada. Ou eu estou me despedindo das pessoas erradas.

Como se vê, eu nem precisava me despedir. Mas, num momento de fraqueza, pensei: e se nem notarem que sumi? Depois, me sinto cansado, podre de cansado. Cansado até de evitar falar nesse cansaço.

Sim, podre de cansado do Bananão. Quer dizer, podre de cansado da miséria, do ódio, da burrice. Cansado da minha ingenuidade ao apostar minha vida contra o Bananão.

Ingenuidade? Tem graça. Há palavras melhores pra definir o que fiz.

Passei metade da minha vida pensando que era uma pessoa forte. Mas o Bananão está muito acima das minhas forças. Nem como cidadão nem como escritor eu dou pro gasto.

Estou podre de cansado de escrever. Tem horas, inclusive, que não sei por que comecei a escrever e nem entendo o que acabei de escrever. Parece coisa de outra pessoa, com propósitos misteriosos.

No meu cansaço, às vezes penso: por que gastei anos e anos em busca de precisão e síntese? Podia ter ido pescar ou aprender sinuca como se deve. Por que embestei que devia disfarçar a complexidade num texto arduamente simples? Por que me esfalfei pra que o melhor ficasse nas entrelinhas, se no Bananão as pessoas tropeçam até nas linhas? Por que quase me matei afiando meu sarcasmo, se a única coisa que consegui com isso foi causar ódio na turma dos dois neurônios, quando havia meios muito mais fáceis de atrair esse ódio?

Eu estava maluco e não sabia. Pelo menos agora eu sei.

Se não errei nas contas, publiquei 165 colunas aqui, fora esta e um longo texto sobre Julio Cortázar. A primeira foi em 19 de dezembro de 2012. Foi divertido por um tempo, me lembro vagamente.

É de admirar que eu não tenha sido apedrejado. Mas, nesse meio tempo, me chamaram de comunista e de anticomunista, de machista e de feminista. Isso prova o quê? Que eu sou legião ou que alguns leitores, perdidos no deserto das entrelinhas, alimentando-se de gafanhotos e mel como os velhos profetas bíblicos, são tentados pelo diabo com os pecados mais hediondos.

Nesse meio tempo, me acusaram, entre outras coisas, de defender bandidos, de moralismo e de velho. De petralha nem precisa entrar na lista. Tinham razão de me acusar de velho.

Mas ninguém me viu pedindo respeito pelas minhas barbas brancas. Não acho que barbas brancas sejam álibi pra qualquer coisa. Se eu fosse pedir respeito por alguma coisa, seria pela minha inteligência. Não é muita, sei, mas é suficiente pra distinguir ao menos dois tipos de carne: a de gato e a de lebre.

Como disse, foi divertido por um tempo. Além de divertido, pude conhecer umas três pessoas que se tornaram minhas amigas, mesmo à distância. Só por isso já teria valido a pena.

Até qualquer hora.

***

Ernani Ssó é o escritor que veio do frio: nasceu em Bom Jesus, numa tarde de neve. Em 73, entrou pro jornalismo porque queria ser escritor. Saiu em 74 pelo mesmo motivo. Humor e imaginação são seus amuletos.


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