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4 de agosto de 2017
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10:30

Precisamos conversar sobre a necessidade de superar o maniqueísmo

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Sul 21
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Precisamos conversar sobre a necessidade de superar o maniqueísmo
Precisamos conversar sobre a necessidade de superar o maniqueísmo

Por Eduardo Silveira de Menezes1

Não importa que discordemos sobre o tamanho do Estado, ponderando, ao nosso modo, sobre a necessidade de sua maior ou menor intervenção na economia. Esse debate é valido. Faz parte da democracia. Deve ser mantido – e preservado – até que possamos superar a atual etapa do desenvolvimento histórico. Acontece que não estamos fazendo isso. Já não conversamos mais sobre coisa alguma. Estamos todos falando – é verdade! Mas não ouvimos o que o outro tem a dizer. É um momento triste, sobretudo, porque a vaidade, o orgulho e a incapacidade de autocrítica, contribui apenas para insuflar egos e rebaixar o debate. Enquanto isso, políticos sabidamente corruptos decidem os rumos do país.

Caso ouvíssemos uns aos outros, perceberíamos que, tal qual indica a rejeição de 95% do atual governo, a sociedade brasileira tem objetivos em comum. Estamos todos preocupados com o legado que iremos deixar para as próximas gerações. Refiro-me, obviamente, aos que estão dispostos a refletir. Aquele 5%, ainda cego de ódio, que não é capaz de reconhecer erros e só consegue repetir chavões, saudar ditadores, ofender os que pensam diferente, são exatamente o que este percentual indica: insignificantes! Estes, sim, devemos deixar que falem sozinhos. Nós somos diferentes. Concordamos em alguns pontos. Discordamos em outros. É justamente nessa relação que reside a nossa defesa pela retomada imediata da democracia.

É infantil – e de nada adianta – apontar o erro dos outros sem ser capaz de reconhecer o próprio erro. O PT fez um pacto de classe. Aliou-se à burguesia agrária e industrial para, em meio ao sistema político promíscuo que vivemos, poder governar. Isso é fato. Mas é fato, também, que foi esse mesmo governo – das alianças espúrias – que reduziu a extrema-pobreza em 75%. É preciso reconhecer, ainda, que a corrupção não teve início nos governos petistas e que, somente durante o mandato de Dilma Rousseff, a Polícia Federal teve, de fato, autonomia para realizar as investigações que revelam, hoje, a utilização dos esquemas de distribuição de propinas, no âmbito da Petrobras, para diversos partidos políticos – uma prática existente desde o governo Sarney.

O verdadeiro motivo do afastamento da presidente Dilma todos sabemos. Não pesa sobre ela nenhuma acusação de enriquecimento ilícito. O “crime de responsabilidade fiscal”, que não é consenso entre juristas, só foi possível de ser assim caracterizado devido a uma mudança de jurisprudência do Tribunal de Contas da União. Ela foi afastada, como bem comprovou o áudio da conversa entre o senador Romero Jucá (PMDB) e o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, com a única intenção de “estancar a sangria”; leia-se: barrar as investigações de corrupção e permitir que tucanos e peemedebistas saíssem impunes. E, cá entre nós, sejamos justos. Durante o governo Dilma, era comum ver políticos ligados ao PT sendo investigados e condenados. Hoje, isso não mais ocorre com os partidos que estão no poder. Pelo contrário. É um verdadeiro escárnio Temer e Aécio jantarem, juntos, para negociar a troca de apoio, no parlamento, evitando futuros julgamentos e condenações. São encontros que ocorrem, sem receio, mesmo após a ampla divulgação do áudio que registra uma conversa indicando que, tal qual o atual presidente, Aécio pode estar envolvido em crimes como recebimento de propina e obstrução à justiça.

Precisamos estar dispostos a realizar um debate franco e honesto. Não existe um só brasileiro satisfeito com o atual momento político do país. A necessidade de “culparmos uns aos outros” não pode ser maior do que a necessidade de exigir a punição dos verdadeiros culpados. As reformas trabalhista e previdenciária não são legítimas. Constituem-se na moeda de troca entre empresas corruptoras e políticos corruptos. Neste momento, governo e Congresso não possuem a mínima legitimidade para definir o que é melhor para a maioria da população. O que os escândalos de corrupção vieram a revelar de mais importante foram as relações imorais estabelecidas entre os poderes político e econômico. Não podemos deixar de falar sobre isso. É em nome de empresários que, historicamente, se beneficiam da morosidade dos mais variados governos em relação aos seus débitos fiscais – muitos deles financiadores diretos da corrupção – que as reformas estão sendo levadas adiante com tanta celeridade.

A hora de conversarmos, abertamente, sobre tudo o que está acontecendo no país é agora. Sem esperarmos por “salvadores da pátria” – sejam eles heróis populares ou togados. Estamos regredindo rapidamente o pouco que avançamos nos últimos anos. Os bancos seguem lucrando, os impostos continuam subindo, as grandes empresas seguem tendo suas dívidas perdoadas, os políticos continuam mantendo os seus privilégios, a população permanece dividida e, agora, voltou a ficar, também, cada vez mais endividada. Todos devem tomar partido. Assumir suas posições. Defender seus pontos de vista. Discutir, sem medo, o que pensam. Mas de nada adianta falarmos apenas para os que pensam como nós. De nada resolve olharmos para os que pensam diferente, com o dedo em riste, acusando-os de serem “culpados”. Precisamos olhar nos olhos uns dos outros e assumirmos, de vez, que o maniqueísmo não é a melhor saída. Seja lá o projeto de país que possamos defender, é imprescindível que ele seja referendado nas urnas. Sem respeitar o desejo da maioria – mesmo que não estejamos de acordo – estaremos vivendo um período de exceção e assumindo o risco de uma possível convulsão social.

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1 Eduardo Silveira de Menezes atua como jornalista no Sindicato dos Bancários de Pelotas e Região. É mestre em Ciências da Comunicação pela Unisinos e doutorando em Linguística aplicada – com ênfase em análise do discurso pêcheuxtiana – pela UCPel. E-mail: [email protected].


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