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11 de março de 2017
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10:00

As pedras lançadas contra a cultura popular nos atingem em cheio

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Sul 21
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Por Eduardo Silveira de Menezes1

Francisco Teixeira e Lúcia Helena da Silva, ambos com 55 anos, ficaram popularmente conhecidos, nas ruas de Pelotas, como o “Casal Show”. Seja nas danças com bonecos ou na imitação de estátuas, os artistas procuram levar distração para as pessoas que se deslocam, apressadas, pelo centro da cidade, em direção ao próximo compromisso. Na maioria das vezes nem mesmo são notados. Mas eles estão lá. Fazem do Calçadão um verdadeiro palco. Aliás, sejamos justos. Fazem mais do que isso. Transformam uma “antiga morada” em um espaço alegre e digno de trabalho.

Foto: Alisson Assumpção

O artista pelotense, que começou sua trajetória profissional há 30 anos, no Capão do Leão, já foi morador de rua. Vivia no beco atrás da Farmácia Khautz, localizada na rua Andrade Neves. Foi a dedicação à arte – transformada em profissão – que lhe tirou da situação de rua. Hoje, ao lado de sua companheira Lúcia Helena, a única reivindicação que faz é por respeito. “A minha companheira já recebeu agressões no rosto, por três vezes, parada, fazendo uma estátua viva, sem dizer nada”, denuncia Francisco.

Os atos de violência são cada vez mais recorrentes. O casal já foi atingido até mesmo com pedras por transeuntes. A intenção, segundo o trabalhador, é de que eles sintam-se coagidos e parem de realizar suas atividades no centro da cidade. Com hematomas, nas costas, o artista de rua teve de retirar dinheiro de outras necessidades do dia a dia para arcar com as despesas da medicação para as dores.

A onda de ódio que está presente no centro de Pelotas não é exceção. Faz parte de um contexto de criminalização da cultura popular em todo o país. A política de “higienização” dos espaços públicos, como a que assombra, também, a capital gaúcha, tem sido objeto de muita discussão nos últimos anos. A linha do atual prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan (PSDB), segue os mesmos princípios defendidos pelo seu então “adversário político”, Sebastião Melo (PMDB), deixando em estado de alerta aqueles que vivem de fazer arte.

Não podemos pensar que uma sociedade seja capaz de avançar e crescer economicamente, sem o mínimo de preocupação com os que estão na base da pirâmide social. Aqueles que se acham donos dos espaços públicos e sentem-se moralmente atingidos pelas diversas expressões da cultura popular são como parasitas. Hospedam-se na representatividade política dos que semeiam ódio de classe e preconceito ao ocuparem cargos eletivos. Toda vez que um artista de rua sofre uma agressão, todos nós somos atingidos em cheio. A sociedade, como um todo, sangra, pois clama por expressar-se livremente; por deixar vir à público o que é da sua essência. As pedras que atingiram o Casal Show machucaram – e muito – quem reconhece o esforço e a dignidade dos que trabalham abaixo de chuva e de sol no centro da cidade de Pelotas para alegrar quem por ali transita. É preciso tomar partido por aqueles que, mesmo sendo apedrejados, nos lembram, todos os dias, que existe vida para além da rotina desgastante do trabalho e dos estudos.

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1 Eduardo Silveira de Menezes atua como jornalista no Sindicato dos Bancários de Pelotas e Região. É mestre em Ciências da Comunicação pela Unisinos e doutorando em Linguística aplicada – com ênfase em análise do discurso pêcheuxtiana – pela UCPel. E-mail: [email protected].

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