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22 de fevereiro de 2017
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09:00

Sobre campanhas, bandeiras, mudanças e troféus: somos todos Brasil

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Sul 21
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Por Eduardo Silveira de Menezes1

Foto: Carlos Insaurriaga

Esse texto já era para ter sido escrito – e publicado – assim que foram realizadas as primeiras partidas oficiais do Grêmio Esportivo Brasil em 2017. Mas não o foi. E olha que isso nada tem a ver com aquela velha corneta entoada nos estádios: “só vai nas boas”, ou melhor, neste caso, “só escreve nas boas”. Longe disso. As duas primeiras vitórias do xavante na temporada não nos permitem a ilusão de que, agora, já estaríamos vivendo “um bom momento”. Uma vitória contra o time reserva do Criciúma – pela Primeira Liga – e outra, frente ao Ypiranga – lanterna do Campeonato Gaúcho –, ambas em casa, estão longe de indicar que estamos “indo só nas boas” ou “escrevendo somente porque, enfim, vencemos”.

Eu e os demais torcedores rubro-negros temos visto um time bastante diferente daquele que nos representou – muito bem, diga-se de passagem – no Campeonato Brasileiro de 2016. Dos remanescentes desse grupo, ocupando a posição de titulares, apenas o goleiro Eduardo Martini, os zagueiros Cirilo e Leandro Camilo, o lateral-esquerdo Marlon, o volante Leandro Leite e o centroavante Gustavo Papa. O setor ofensivo, que, inclusive, mudou bastante, recém está começando a se ajustar. Nada de extraordinário, mas, pelo menos, já é possível observar que existe uma tentativa por parte dos novos jogadores em mostrar que podem se adaptar ao esquema utilizado pelo treinador Rogério Zimmermann.

Há mais de quatro anos comandando a equipe, nesta segunda passagem pelo clube, Rogério tem obtido resultados incontestáveis dentro de campo. Acontece que, com o baixo rendimento do time, neste início de 2017, pela primeira vez ele passou a sofrer críticas mais contundentes de boa parte da torcida. A tensão – motivada pelas derrotas e, consequentemente, pelo temor de retornar a uma divisão de acesso – acaba desorientando alguns torcedores, que, ao invés de se preocuparem em empurrar o time para a vitória, passam a discutir entre si. “Abaixa essa bandeira. Eu quero enxergar a partida” – dizem alguns. “Senta do outro lado. Lá não tem bandeira. Aqui é o espaço para fazer a festa”, respondem os outros.

Quando o futebol se ausenta, infelizmente, entram em campo as divergências. E é justamente nesses momentos que se sobressaem as diferentes formas de professarmos a nossa fé. Tentar impor a nossa vontade uns aos outros é realmente inútil. Lá pelas bandas da Avenida Bento Gonçalves, a pequena – e nunca lembrada – torcida do coirmão costuma fazer isso. Brigam muito entre si. São cenas lamentáveis, que demonstram o verdadeiro tamanho que eles possuem. A prepotência de seus dirigentes e a falta de unidade dos seus torcedores os colocou na condição atual: um time que só joga divisão de acesso e não existe no cenário nacional.

Certamente é tempo de mudanças na Baixada. Mas são mudanças que indicam o crescimento do nosso clube. A reconstrução das arquibancadas, a conclusão das obras do centro de treinamentos, o ressurgimento das categorias de base, as melhorias no gramado, no sistema de drenagem e na iluminação fazem parte de um projeto que, em alguns anos, poderá alçar o xavante ao lugar que realmente merece nos cenários gaúcho e nacional. Mas toda transformação tem seu preço. Jogadores que atuavam há bastante tempo juntos destacaram-se e acabaram por seguir novos rumos. Reformatar a equipe e entrosa-la leva tempo. Os times do interior – diferente da dupla grenal – não dispõem de recursos que os permitam errar ou fazer contratações emergenciais para evitar más campanhas e descensos. Tudo precisa ser muito bem planejado. E, para que realmente dê certo, é necessário contar com o apoio do torcedor.

Nenhum de nós está satisfeito com a campanha realizada até aqui. A direção do clube também não está. A comissão técnica tampouco. Jogadores muito menos. O certo é que a única mudança que não pode ocorrer no Bento Freitas está na alma que reveste as arquibancadas. Elas podem ser de concreto ou de metal. Podem estar lotadas ou com alguns espaços em branco, mas aqueles que, por vocação histórica, assumiram a responsabilidade de representar a torcida do Grêmio Esportivo Brasil, na bancada, não podem deixar de acreditar na força que possuem. Um time em formação, sem grandes nomes, com uma folha modesta em relação a outras equipes que atuam no cenário nacional, mas que não cansa de mostrar aos adversários o porquê de se chamar Brasil.

Seus torcedores não são iguais. Encontram-se em condições sociais diferentes. Possuem ocupações igualmente diferenciadas. Moram em diferentes locais da cidade e, até mesmo, fora dela. Por isso, pensam diferente. E é muito bom que seja assim. Mas em um ponto não pode haver discordância: todos vivemos o Brasil; em casa, no trabalho, na escola, em qualquer lugar. A temporada 2017 está apenas começando. Precisamos de todos. Ninguém é mais torcedor do que ninguém. Apoiar o time e se dizer torcedor nos momentos bons – “ir nas boas”, “escrever nas boas” – é fácil. Até os torcedores do coirmão fazem isso. Difícil é aprender a lidar com as diferenças. É se dar por conta de que só somos realmente diferentes, porque, ao longo dos anos, tornamos as “nossas diferenças” uma característica em comum; que ganha vida, corpo e alma no momento em que, juntos, cantamos em devoção ao Brasil. Somente ao Brasil!

Quando nos tornamos uma única voz – ali naquele espaço da rua Juscelino Kubitscheck – ganhamos poderes místicos. Que ninguém duvide disso! Já vimos gigantes do futebol tombarem diante de tamanha emoção em torcer para um time de futebol. Jogadores experientes tremem quando estão próximos daquela linha lateral. É orgulho, sim, o que sentimos! Não nos falem de taças. Nosso maior troféu nenhum outro clube jamais conquistou. Ele nos é dado toda vez que apoiamos com ainda mais entusiasmo mesmo nos momentos de dificuldade, mesmo sem nenhuma grande conquista desde 1919. Já sabemos o que precisamos fazer. Ergam-se as bandeiras. Todas elas! Levantem-se todos, ao som da Garra Xavante. O jogo é acessório. Nosso campeonato é todos os dias. É na labuta suada do dia a dia, à espera do próximo jogo do Brasil. Ali, no Bento Freitas, tudo volta a fazer sentido. Agora sabemos porque nos foi dada a oportunidade de viver intensamente a experiência de sermos torcedores do Grêmio Esportivo Brasil. Um único canto. Uma única voz. Uma única paixão. Não há derrota que nos tire esse orgulho. Não há vitória que nos torne soberbos. Vamos seguir cumprindo o nosso papel. A arquibancada é o nosso território. E nós sabemos onde ela pode nos levar!

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1 Eduardo Silveira de Menezes é jornalista, mestre em Ciências da Comunicação pela Unisinos, doutorando em Linguística pela UCPel e, acima de tudo, torcedor xavante. E-mail: [email protected].


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