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24 de agosto de 2016
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10:30

Os Jogos Olímpicos e a “Neymarketização” da política

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Sul 21
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neymar-marcaPor Eduardo Silveira de Menezes1

Não é de hoje que o esporte é utilizado como subterfúgio ideológico. Em 1970, durante a conquista da Copa do Mundo do México, milhões de brasileiros foram levados a repetir o bordão: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Embalados pela conquista do tricampeonato mundial, entoavam, orgulhosos, o hino “Pra Frente Brasil”. Enquanto isso, opositores do regime militar “sumiam” nos porões da ditadura. Mais de quatro décadas depois, o presidente interino, Michel Temer (PMDB), revive uma estratégia utilizada à época. A tática consiste em explorar ao máximo a comoção com as Olimpíadas, seguindo rigorosamente o plano traçado para o afastamento definitivo da presidenta eleita Dilma Rousseff (PT).

O momento é propicio para essa nova – e recauchutada – afronta à democracia. O discurso de quem flerta com regimes despóticos adapta-se rapidamente ao contexto atual, cuja tônica é marcada pela farsa do impeachment. Os que se envaideceram em vestir a camisa verde e amarela para ir às ruas, supostamente, “combater a corrupção”, costumam esbravejar contra qualquer um que discorde da conduta parcial protagonizada pelas investigações da Operação Lava Jato. A falta de compreensão sobre o caráter sistêmico da corrupção, no Brasil, é tamanha que não conseguem perceber a contradição em exigir o “fim da corrupção” vestindo a camisa da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). A maioria nem sabe que os três últimos presidentes dessa entidade estão sendo investigados pelo possível recebimento de propina, que seria proveniente de acordos de transmissão e de marketing.

A relação entre os interesses comerciais e políticos é tão grande, no Brasil, que a imagem de um jogador de futebol é construída como se, antes de qualquer coisa, ele não passasse de um produto midiático. É nesse contexto que o atacante Neymar, cabo eleitoral de Aécio Neves (PSDB) e garoto-propaganda do Bradesco Seguros, figura nos comerciais da TV Globo. De um modo ou e de outro, está sempre em evidência. As “críticas” quanto à postura do atacante fazem parte de um plano de negócios muito bem definido. Na verdade, qualquer discurso sobre Neymar ajuda a dar vazão a uma verdadeira peça publicitária.

Com a conquista do título inédito dos Jogos Olímpicos, o comentarista Walter Casagrande voltou a “polemizar” sobre a falta de maturidade do capitão da Seleção Brasileira de futebol. Seguindo o roteiro, Neymarketing mandou um recado aos jornalistas da Rede Globo. De modo a referendar sua infantilidade, lembrou o desabafo de Zagallo, ao conquistar a Copa América de 1997, e disse: “agora vão ter que me engolir”. Mais uma lucrativa “polêmica” entre parceiros de negócio. Nada além disso. Não demorou muito para a Globo aceitar a ideia de “engolir Neymar”. Este é um bom exemplo do que a antropofagia oportunista da emissora é capaz na busca desenfreada por audiência.

Para Casagrande, “o Neymar que foi visto na final dos Jogos Olímpicos não é o mesmo que chegou lá”. Ele estaria “levando mudança da seleção”. Um comentário que funciona como parte da engrenagem dessa antiga máquina de propaganda. Assim, seguindo a lógica dos anos 70, a Família Marinho procura manter o grande público entretido com banalidades. A “falta de maturidade de Neymarketing” repercute mais do que as acusações de sonegação de impostos, sobretudo no que diz respeito à transação que acertou sua ida para o Barcelona. A denúncia não é recente. Em 2015, o jogador teve R$ 188,8 milhões bloqueados pela Justiça brasileira. No início deste ano, em ação movida pelo Ministério Público Federal de São Paulo, ele chegou a ser denunciado, ainda, por falsidade ideológica.

Os holofotes das Organizações Globo – patrocinadora oficial das Olimpíadas Rio 2016 – obviamente não se voltaram com tanta ênfase para o caso. Passaram a tratá-lo como um mero “problema com a Justiça”. É compreensível que não gostem muito de tocar em assuntos como esse; afinal, desde 2015, a Rede Brasil Sul (RBS) – sua maior afiliada – também está sendo investigada por sonegação. O processo faz parte da Operação Zelotes, da Polícia Federal (PF), que procura esclarecer como seria a ação dos que atuam junto ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) com o intuito de reverter ou anular multas. Suspeita-se que a RBS teria pago R$ 15 milhões em propina para obter redução de uma dívida fiscal de R$ 150 milhões.

No sábado (20), o Banco Bradesco – outro apoiador dos Jogos Olímpicos e que também está sendo investigado – foi lembrado pelo presidente em exercício, Michel Temer (PMDB), por ocasião da conquista do ouro nas Olimpíadas. Uma vitória que, segundo a Globo, só foi possível graças à “atuação convincente” de Neymar. Nessa rede de interesses, a estratégia adotada por Temer mostra-se um verdadeiro escárnio com a democracia. Em texto publicado em sua conta oficial no Twitter, o antigo aliado petista fez referência ao que considera um “momento histórico do país”. Segundo ele, estaria na “hora de nos reerguermos com a grandeza do #BRA”. Ironicamente, a hashtag #BRA é uma referência à campanha publicitária do Banco Bradesco, cujo presidente, Luiz Carlos Trabuco, foi denunciado por corrupção ativa e se tornou réu em ação penal proposta pelo MPF. É o futebol, a política e os interesses comerciais caminhando lado a lado, tal qual ocorreu nos anos 70. Naquela época, o esporte também serviu de estratégia política, ancorado em uma série de evasivas midiáticas. Foi assim que se procurou, a todo custo, legitimar um governo golpista. Bastou encobrir os crimes que estavam sendo cometidos contra militantes de esquerda.

Durante os Jogos Olímpicos de 2016, a ideia foi muito parecida. A grande mídia não fez mais do que tergiversar sobre a o atual momento político do país. As Organizações Globo jamais admitiriam que a escolha da cidade do Rio de Janeiro como sede e as mudanças estruturais necessárias para a viabilidade do evento são méritos, respectivamente, de Lula e Dilma. Temer e sua cúpula nada tem a ver com isso. Pegaram carona em um reconhecimento mundial que resulta do poder de articulação política de um ex-operário e da capacidade gerencial de uma mulher. Houvesse qualquer problema, certamente, a responsabilidade recairia sobre os petistas.

Não há dúvidas de que ninguém comemorou mais do que Temer aquela cobrança de pênalti convertida por Neymar. Caso a bola, caprichosamente, tivesse ido para fora, não seria possível ilustrar “o momento histórico do país” como o resultado da derrota proveniente de um “lance de sorte”. No “jogo” da política nacional, as estratégias utilizadas são as mais sórdidas possíveis. Com a ajuda de um “juiz” identificado com o PSDB, pouco a pouco, os peemedebistas foram ganhando a disputa com os petistas. Após a vitória da Seleção nas Olimpíadas, vestidos de verde e amarelo, muitos comemoraram eufóricos o título. Estivessem dispostos a estabelecer algumas relações bastante evidentes talvez percebessem que não há muito o que festejar. A “grandeza do #BRA” está marcada pela mesma sombra que circunda a CBF. Lamentavelmente, vive-se a “Neymarketização” da política. Mas, mesmo que as Organizações Globo insistam e a Justiça faça vistas grossas, não existe a menor possibilidade de engolir Temer.

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1 Eduardo Silveira de Menezes é jornalista, mestre em Ciências da Comunicação pela Unisinos e doutorando em Linguística aplicada – com ênfase em análise do discurso pêcheuxtiana – pela UCPel. E-mail: [email protected].


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