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4 de dezembro de 2018
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10:30

Ler para viver

Por
Sul 21
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Ler para viver
Ler para viver
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sandra Djambolakdjian Torossian (*)

Há poucos dias recebi um apelo para incluir livros nos presentes de Natal. Isso faz parte de uma política de subsistência de algumas grandes livrarias e editoras. Escolher livros se torna uma tentativa de os livros não morrerem, de que as letras possam mudar algumas vidas. Sempre apostei na transformação produzida pela literatura.

Mas…

Todos sabemos que os livros e a leitura não atingem a todos. 

Todos sabemos que ler, no Brasil, é privilégio.

Boa parte das crianças e dos jovens no país passam pelas escolas sem aprenderem a ler ou escrever. Ou não leem, ou não compreendem o que leem. Isso, além de excluí-los da possibilidade de terem suas vidas tocadas por outros mundos e histórias, produz uma condição de inferioridade.

A falta de acesso ao livro e à leitura deixa marcas subjetivas em todos os aspectos da vida. O “não saber” ou “não conseguir aprender” alastra-se para outros âmbitos da vida.

Felizmente, há movimentos de resistência. Movimentos nos quais há jovens autores. Uma recuperação da capacidade de narrar, de contar, de ler, de escrever.

Viva o Slam!

Viva a possibilidade de escrever a vida, de nomear o sofrimento, de aparecerem as realidades que ninguém quer ver.

Resgatemos a possibilidade de se curar pela escrita, sustentemos a necessidade de ler para viver. De escreviver como ensina Conceição Evaristo.

Evitemos as histórias únicas cujo perigo é brilhantemente advertido por Chimamanda Adiche.

***

Alguns dias atrás fiquei triste ao ver o olhar desapontado de uma criança à qual eu presenteei com um livro. Eu que tinha demorado tanto a escolher a história, imaginei de qual ela gostaria, antecipei sua emoção ao ver as ilustrações e o colorido.

Ela olhou desapontada, colocou o livro de lado, e me disse que esperava outro presente, um brinquedo assinado por uma marca de renome entre as crianças. Esse seria um bom presente, o imaginado, o esperado.

Momento de desencontro. No qual a narrativa é substituída pelo carimbo da marca.

Era uma criança com acesso aos livros e à leitura. Mas acredito que esse desencontro poderia se dar, também, com as que não tem fácil acesso. Estamos todos atravessados pela ilusão das marcas.

***

As histórias remendam as tristezas, diz Michelle Petit. E costuram alegrias, poderíamos complementar.

Por isso, neste Natal, farei o que sempre faço, insistirei nos livros.

Mas faço também um apelo pela mudança das políticas editoriais.

Livros precisam ser acessíveis a todos.

(*) Psicanalista, membro da Appoa, professora do Instituto de Psicologia/UFRGS

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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