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20 de novembro de 2018
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10:45

Bohemian Rhapsody

Por
Sul 21
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Bohemian Rhapsody
Bohemian Rhapsody
Fox Films/Divulgação

Maria Ângela Bulhões (*)

O filme Bohemian Rhapsody, que trata sobre a trajetória da banda Queen e, em especial, da vida do vocalista Freddie Mercury, está no circuito de Porto Alegre. Quem for ao cinema conseguirá se divertir com os grandes sucessos do grupo e ainda poderá acompanhar a história de criação e produção de músicas inesquecíveis. Ao longo da trama, relembramos e nos deliciamos com a ousadia musical e a originalidade que foram a marca dessa banda inglesa durante duas décadas de existência (1970-1991). Portanto, lembrar as canções clássicas e cantar junto pode ser uma ótima alternativa de programação na semana.

Todavia, o filme almeja ser mais do que apenas diversão, ao trazer a vida de Freddie Mercury para o plano principal. Infelizmente, o aprofundamento das emoções dos personagens não foi tão explorado quanto talvez merecesse, e, nesse aspecto, o filme pode não ser tão empolgante. Por outro lado, tem o mérito de trazer à tona a questão fundamental, e ainda bastante atual, do preconceito com a homossexualidade.

A trajetória do vocalista da banda é apresentada a partir de sua questão com a homossexualidade, que, no princípio, parecia desconhecida dele mesmo. O encontro com uma mulher que se torna alguém muito importante em sua vida mistura os sentimentos de amor e desejo, que ainda estavam confusos em Freddie. Sua sexualidade manteve-se à sombra por algum tempo.

Assumir-se gay pareceu algo extremamente difícil mesmo para um grande artista como Freddie Mercury. Naquela época, o mundo se escandalizava com sua vida desregrada e sua vida sexual era motivo de censura. É verdade que seu comportamento, por vezes desmedido, demonstrava uma grande dose de autodestruição. Em algum momento do filme, alguém diz-lhe: “quando começares a gostar de si mesmo, me procura!”

A psicanálise lembra-nos o quanto, para cada um gostar de si mesmo, na sua origem, esse amor vem de um outro. Dessa forma, o amor que podemos ter por nós mesmos parte, primeiramente, daquele amor que recebemos de nossos primeiros cuidadores. A partir desse primeiro amor, precisaremos decepcionar o grande ideal que nossos pais têm para nós, a fim de que possamos ser nós mesmos. Mesmo assim, é importante que continuemos ocupando lugar de valor naquela linhagem. O comportamento autodestrutivo de Freddie no filme fica associado à dificuldade da aceitação de sua condição homossexual pela sua família, que não conseguia abrir nenhum canal de diálogo para tratar sobre esse assunto.

Muitas vezes, o comportamento destrutivo indica que este alguém busca a morte de forma prematura, demonstrando não encontrar na vida as ligações que o possibilitem fazer diferente. O amor é o sentimento que pode fazer alguém ligar-se a vida e, por isso mesmo, não buscar abandoná-la de forma antecipada. O que fez Freddie Mercury partir prematuramente foi a AIDS, doença que, na década de 1980 e 1990, levou à morte especialmente homens gays. Essa doença carregava em si o destino da morte e também o peso do preconceito.

Cuidar para manter-se vivo faz parte do amor próprio. Entretanto, além disso, a aceitação da homossexualidade pela sociedade é essencial para que cada sujeito possa ser respeitado de acordo com a naturalidade dessa condição e tenha o direito de vivê-la plenamente. A sexualidade humana é um tema complexo e mesmo que Freud tenha aberto os caminhos para tratar disso de forma séria, ainda hoje encontramos discursos conservadores que caminham na contramão.

Infelizmente, assistimos nos últimos tempos o retorno de discursos conservadores e moralistas. Mas não podemos retroceder na aceitação social que, depois de muita luta dos grupos LGBTS, já permite encontrar casais gays de mãos dadas em lugares públicos sem que isso tenha que atrair atenção. Não podemos aceitar que as leis que conseguimos produzir em defesa das relações homoafetivas venham a sofrer ataques em nosso poder legislativo. A causa gay continua precisando de espaço e visibilidade em nossa sociedade, a fim de que os avanços conquistados sejam mantidos e novos possam ser produzidos. Bhoemian Rhapsody traz o drama de Freddie Mercury, que inspira e mantém viva essa questão para o grande público. Nesse aspecto, o filme merece todo respeito e deve ser visto e valorizado.

(*) Maria Ângela Bulhões, psicanalista membro da APPOA, psicóloga do ambulatório do Hospital São Pedro.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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