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18 de setembro de 2018
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10:40

Tempos difíceis

Por
Sul 21
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Tempos difíceis
Tempos difíceis

 

“A polarização parece estabelecida. Todos argumentam que precisam salvar o país!” (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Maria Ângela Bulhões (*)

Não é possível negar que estamos vivendo tempos difíceis. As discussão políticas que se estabelecem hoje em nossas redes sociais, encontros de amigos ou mesmo encontros familiares tornaram-se embates. Ao tratarmos sobre as opções de votos para a presidência nessa eleição, corremos o risco de entrar numa grande celeuma. A polarização parece estabelecida. Todos argumentam que precisam salvar o país!

Impressiona a convicção com que cada um acredita no mal que o outro lado causará ao Brasil. A outra sempre é a facção criminosa! É a que quer destruir o país.

Como é possível produzir o diálogo nessas condições? Os amores e ódios plenos de certezas tomam conta das conversas, e aqueles menos convictos dos rumos que nosso país deve ou irá tomar carecem completamente de esperanças em tempos melhores.

No meio de tudo isso, Bolsonaro, o candidato à presidência mais bélico que encontramos, leva uma facada. Não parece coincidência que aquele que prega as formas mais radicais de contenção da violência tenha sido alvo dela. Isso só nos mostra que o discurso de ódio promove mais ódio. Ódio que veio travestido nas ordens de deus. Não se deve brincar com fogo, sem saber o perigo disso!

Não consigo compreender que não fique claro para o eleitor a completa falta de respostas desse candidato à complexidade de nossos problemas. Será que as soluções violentas e conservadoras que ele propõe realmente podem ser levadas a sério? Ou ele apenas representa o “ódio ao outro lado”.

Na rede social, Bolsonaro foi motivo de união para um grupo enorme de mulheres. “Mulheres unidas contra Bolsonaro”. O projeto contempla a união frente à ameaça Bolsonaro e propõe o respeito à diversidade de votos das eleitoras que ali estão. Há, no mínimo, um ponto de união: passamos por tempos difíceis, mas não será um Bolsonaro com ideias ultrapassadas, violentas, preconceituosas e machistas que irá governar nosso país!

Será que podemos reconhecer que o discurso de ódio deve ser banido para que o diálogo possa acontecer? Ódio e paixão acabam por interromper o pensamento, e apenas conduzem à produção de certezas absurdas.

O respeito às diferenças é o ponto de partida para qualquer avanço numa mesa de debate. É o mais importante e o mais difícil de acontecer. Quem sabe não são as mulheres as mais bem posicionadas nesse momento para levar essa bandeira a frente?

Vivemos uma grande crise e nossas instituições estão sendo colocadas à prova. E não podemos dizer que estão se saindo bem. Os três poderes: legislativo, judiciário e executivo não apresentam a independência que o sistema exige para que se autorregule. Isso por si só já define uma fragilidade democrática.

Existem aqueles que acreditam em milagres e aguardam soluções mágicas ou super heróicas de novos governantes. Infelizmente, talvez estes sejam inclusive uma maioria.

Uma discussão baseada em bandidos e mocinhos, os do mal e os do bem, não possibilita grande avanço. O imaginário toma conta e surge o perigo de que alguns personagens infantilmente apresentados como heróis ganhem espaço. Essa forma infantilizada dificulta a produção do crescimento e amadurecimento de nosso processo de politização da nação. É bem improvável que nosso sistema político, num curto espaço de tempo, produza as reformas necessárias para um avanço de qualidade de nossa sociedade. Precisamos de mais investimentos em educação e cultura para que esses retornem como valores essenciais de nossa sociedade. E esse é um projeto de longo prazo!

Mas é como abastecer um avião em pleno voo, não podemos parar e mudar tudo. Em nosso país de tamanho continental, convivemos com tecnologias de ponta, ao mesmo tempo que milhares de pessoas não possuem saneamento básico. Os nossos indicadores educacionais são desalentadores, ao mesmo tempo que reconhecemos que possuímos mais educação formal do que no tempo de nossos avós. Crescemos de forma desequilibrada e desigual. Como transformar essa realidade? Não me apresente fórmulas fáceis, pois todas estão fadadas a serem pouco realistas!

Será que essa turbulência generalizada pode produzir algo de bom? Será nosso tempo adolescente na democracia? Estamos como sociedade realmente mais conscientes de nossos problemas estruturais ou apenas gritamos as perdas econômicas dos últimos anos?

Continuo apostando que podemos atravessar os tempos difíceis acreditando na possibilidade de construção de uma nação melhor. E que essa utopia possa sempre ser nosso motor de arranque.

(*) Maria Ângela Bulhões, psicanalista membro da APPOA, psicóloga do ambulatório do Hospital São Pedro.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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