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8 de maio de 2018
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10:30

Perdidos no espaço

Por
Sul 21
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Perdidos no espaço
Perdidos no espaço
A série original foi apresentada na TV americana entre 1965 e 1968. (Reprodução)

Lucia Serrano Pereira (*)

Como que saído do túnel do tempo leio o anúncio de que naquela noite estreava a ficção “Perdidos no espaço”, agora como série das nossas, contemporânea. Claro que disparou curiosidade com uma ponta de apreensão ( a mesma de quando chegou o novo Blade Runner).

E já na antecipação, uma que outra imagem se atravessava durante o dia. Uma das mais emblemáticas do seriado e que anos depois comentávamos – os que tinham seu imaginário configurado pelo perdidos no espaço na infância – era a de Dr. Smith e o robô, e a incrível propriedade de levantar rochas enormes em superfícies de planetas inóspitos. Cena que muitos anos mais tarde, ao passar por algum capítulo em reprise na TV, nos matava de rir. Nos reenviava à nossa própria condição de credulidade infantil.

Como tinha sido possível, a capacidade de se deixar embalar e mergulhar no que quer que fosse? Como tínhamos sido bobos e sofrido com os perigos daquelas grandes pedras de isopor ( essa foi nossa versão do material ) que podiam despencar e soterrar todos os Robinsons de uma vez.

Era hilário dar-se conta da precariedade desse cenário depois dos olhos acostumados com a sofisticação tecnológica do cinema e com a distância da infância. Planetas, luas, naves, seres extraterrestres e todo o tipo de monstros que enquanto mergulhávamos eram absolutamente verossímeis e encantadores…Isso sem mencionar as forças da natureza que eram aterradoras. Grandes crateras engulidoras, buracos sem fundo, descargas elétricas, inundações repentinas, tempestades de todo tipo de materiais…

Perdidos no espaço contava as aventuras da família Robinson na luta por sobreviver e retornar ao encontro dos humanos, em meio à catástrofes de toda a ordem. Planeta Terra esgotado e sem futuro, a família participava do projeto de estabelecer uma colônia em outro planeta, e assim embarcaram na Júpiter II com outras tantas famílias testadas e selecionadas. Tudo dá errado, Dr Smith era um espião sabotador que faz suas manobras. Ele programa o robô da nave para destruir o sistema de navegação, o que acontece, e os que sobreviveram ao desastre ficam em total deriva no espaço. O problema foi que Dr.Smith ficou preso, ele mesmo, na Júpiter II e vai junto para o espaço.

Anos sessenta, a série é apresentada na TV americana entre 1965 e 1968, no contexto ainda da Guerra Fria com os russos e também na década da corrida ao espaço. Lembremos que o homem pisou lua em 1969. Para os Robinsons ( homenagem do nome no intertexto) vai ser um constante atravessar, cuidar, inventar, desbravar. E em tudo o que já é difícil, trabalhoso e arriscado para recriar segurança e sobrevivência ( que sempre estava por um fio), não raro vai estar a mão de Dr. Smith para criar problema e perigo.

“Perigo, perigo” é a palavra de alerta do robô que vai se adicionar aos Robinsons. “Perigo, Will Robinson” ele alerta o menino.

E agora, com a sensação de anos luz e muitas galáxias depois, o episódio novo. Reconhecemos invariantes da história, mantidas, e algumas mudanças ainda em vias de aceitar, um pouco estranhas. Dr. Smith agora é mulher, e no casal dos Robinsons a mulher é uma espécie de chefia…Talvez possamos desvendar as razões com os próximos capítulo.

Mas o ritmo é forte, logo a grande nave é destruída. Quando cai no planeta desconhecido é neve para todo o lado. Eles conseguem uma barraquinha especial para a ocasião, mas a nave então começa a afundar. E a filha volta, entra na Júpiter apesar de tudo, e quando quase de volta à superfície fica ali, mergulhada em um lago congelado ( mas tem calor dentro da roupa espacial). Só as pontas dos dedos ao alcance. Risco absurdo. Eles precisam buscar ajuda, e neste trajeto Will cai em um túnel interminável que o larga sozinho em uma floresta quilometros abaixo do penhasco. E eu fico com a sensação de que não vai dar para assistir. “Pe-ri-go! pe-ri-go!” Gente, que revival do temor infantil.

Perdidos no espaço tomou um viés que, vendo o de hoje, faz pensar em por onde “pegou”. Perigo de ficar perdido sozinho na superficie do planeta, perigo do mais primitivo desamparo infantil em forma de ficção científica. Interessante que foi justo o fio que o primeiro capítulo de hoje toma e que, sem brincadeira, produz angústia braba. Não se tem tempo de respirar. E temos a sensação que de fato não dá para viver sempre em alerta de perigo, nem lá, nem cá. Nosso desafio, o de recriar espaço para que possamos fazer frente ao desamparo que produz alertas constantes e, mais que achar fragmentos de planetas habitáveis, confiar na condição de produzir clareiras respiráveis, de não estar sozinho perdido no espaço, e sim no espaço com outros.

(*) Lucia Serrano Pereira é psicanalista, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA), doutora em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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