Colunas>Clarissa Ferreira
|
18 de julho de 2019
|
13:47

Oficina de Musas Xucras no primeiro festival para mulheres da música regional

Por
Sul 21
[email protected]
Oficina de Musas Xucras no primeiro festival para mulheres da música regional
Oficina de Musas Xucras no primeiro festival para mulheres da música regional

Clarissa Ferreira (*)

Essa semana acontece o 1º Peitaço da Composição Regional, um festival só para mulheres que possuem relação com a cultura gaúcha através de contato ou atuação artística/ musical. Produzido pela cantora e jornalista Shana Muller, o festival parte de um questionamento trazido nos últimos tempos por mulheres da cena regional: a representação, o eu-lírico e o local de fala nas composições com temáticas regionalistas que narram ou interpretam a mulher gaúcha. Como venho abordando e observando desde 2014, as representações da mulher gaúcha em músicas, compostas em sua avassaladora maioria por homens, constroem narrativas que muitas vezes objetificam e estereotificam, chegando em alguns casos a aludir violência (tema abordado em: http://gauchismoliquido.blogspot.com/2014/11/nem-chinoca-nem-flor-nem-morocha-sobre.html) .

O protagonismo nas canções regionalistas tradicionais era/ é submetido aos homens, em abordagens sobre as lidas campeiras compreendidas como masculinas, sobres suas experiências de mundo. Inegável citar as tentativas bem intencionadas de tradução do feminino feitas por compositores homens, presente em toda história ocidental. Ainda assim, em contraponto a este fenômeno, e buscando a (re)construção da mulher gaúcha ancestral e simbolicamente mais de quarenta mulheres se reunirão para pensar e produzir sobre essas questões.

Este será um ato inédito por ser voltado exclusivamente para mulheres da cultura regionalista. Em 2016 no blog Gauchismo Líquido abordei sobre o Festival da Barranca e a proibição de mulheres no evento que acontece a mais de quarenta e cinco anos (http://gauchismoliquido.blogspot.com/2016/03/ate-quando-so-eu-lirico-masculino-sobre.html). Desde então surgiram inúmeras reflexões dentro da cena, dissipadas em suas mais diversas representações do gauchismo como a música nativista, regionalista, tradicionalista, de baile e a poesia, onde as mulheres estão muito presentes como declamadoras e poetas. Instigada pela reflexão, a cantora e apresentadora do Galpão Crioulo promoveu este evento, na busca de instrumentalizar as mulheres a criarem suas narrativas. Fui convidada a levar a oficina de criação sonora para mulheres que desenvolvo há um ano, Oficina de Musas. Nesta oficina de edição especial, intitulada Oficina de Musas Xucras, levarei um pouco das técnicas que tenho observado na composição musical, a análise da música como uma linguagem cultural construída e a reflexão sobre os limites culturais que levaram à nossa falta de atuação até aqui. Não vejo como possível começar a se expressar sem compreender o que até pouco nos silenciava.

Compor é um ato político, assim como reunir-se. Estar em comunhão por algo em comum, é também religioso, no sentindo amplo e profundo de (re)ligação. Assim como é cultural.

No texto sobre a Barranca argumentei sobre sua importância por ser um evento cultural “(re)definidor de valor social e do sentimento de pertencimento coletivo”. Escrevi e continuo pensando como nesses eventos são transpassados um conjunto de ideias, comportamentos, símbolos e práticas sociais, aprendidos de geração em geração através da vida em sociedade. Fazer cultura então seria uma amálgama de conhecimentos, crenças, costumes e todos os hábitos e aptidões adquiridos e construídos pelo ser humano por fazer parte de uma sociedade da qual faz parte. Incluiria ainda o sentimento de não pertencimento sobre tais práticas, o repensar e reconstruir de códigos ou moldes, afinal a cultura é dinâmica, respira de acordo com o seu tempo e as pessoas que a geram.

Movimentos culturais incluem deslocamentos, mutações, aproximações e afastamentos. Como as intersecções existem, e mostram a pluralidade de pontos de vistas e de diferentes experiências, evidencia-se que nem todo o movimento é unificado. Relembro os festivais nativistas que estudei e frequentei, tendo o impasse estéticos e discussão sobre o gauchismo como cerne, e repenso quais impasses merecem atenção.

Penso no que realmente importa nestes fenômenos e balanceio com a importância dos simbolismos na cultura. Determinado signo, determinado nome, escolhas (in)coerentes, traduções e reproduções de discursos que não falam só por si, mas também. Uma privilegiada oportunidade de experenciar cultura. De vivê-la.

Que as musas, detentoras da linguagem nos guiem. Que as xucras da caneta selvática nos inspirem.

(*) Clarissa Ferreira é violinista, doutora em Etnomusicologia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e autora do blog Gauchismo Líquido.

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora