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13 de dezembro de 2017
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11:20

O modus operandi do ser artístico hoje

Por
Sul 21
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“Por que tanto desconforto nos processos criativos?” (Foto: Ramiro Furquim)

Clarissa Ferreira (*)

O sistema é tão perfeito na lógica de fazer auto culpados ao tentar fugir dele. Comparo a sensação da prática de pagar boletos com a de criar uma melodia, ou um texto como esse. Como musicista, professora e pesquisadora, tenho pensado: fazer atividades burocráticas nos dá uma maior sensação de paz do que ao fazermos atividades criativas. Mas adianto: falsa ilusão. Curta saciedade.

É mais fácil mesmo evitar pensar, mas não éras. Exercitar o conhecer é se desconstruir constantemente. Desfazer para reconstruir alguns princípios estabelecidos pela sua auto-tradição – o que se estipulou para si através de sua vivência.

Esse sistema atual de matriz normativa, capitalista, neoliberal, ocupa todas as frestas para um possível respiro de nada mais do que: Vida. No meio de tudo falta tempo para pensar em como dizer e quando, no que foi dito e como, no que pode ser melhor feito e onde. O (re)pensar não tem vez nessa sociedade instantânea, espontânea – somente dentro dos papéis sociais esperados. A (des)culpa sim tem vez – mas não aquela do perdão.

Horários, prazos e obrigações X fazer criativo – é tão antagônico. Aí compreendo os taoístas. Escrever com prazos me dá um sentimento masoquista. Sensação de ver o fogo correndo em um pavio prestes a explodir uma bomba. Como um ser hedonista que sou, pergunto: porque é assim, cadê o prazer das atividades artísticas? Por que tanto desconforto nos processos criativos? Por que tanta dúvida sobre o que deve ser feito e compartilhado?

Acho que isso se dá porque no contexto hegemônico dominante arte não tá cabendo. Nãotemespaço! Como falar em devaneios utópicos cotidianos em um mundo tão normativo? Um reflexo disso hoje é a arte ser vista como propaganda. Pessoas confundem fazer artístico com publicidade, vinculam simplesmente a problematização com pregação.

A sociedade associal do cansaço precisa brincar (e dormir). O lugar para o lúdico está extinto, assim como o instinto. Artigo raro a espontaneidade. Fica difícil assim. Complicado ser artista desse jeito. Se o atual sistema tira as condições de sobrevivência por gênero, raça, classe, o que dirá sobre modos diferentes de viver a sua própria vida, outra cosmovisão?

E se for a arte capaz de trazer um novo prisma, uma máscara de proteção de gás a um sistema que não nos valoriza enquanto humanos? O status quo quer que a gente não seja a gente. O que dizer então se a subjetividade é assunto útil somente quando ligada a economia e quando objetiva-se que todos virem um produto, um CNPJ? “olhamos o artista como marca”, diz presidente da Universal Music.

Somos servos voluntários até enquanto artistas, mas ainda acreditamos no nosso poder reflexivo – mesmo com todo déficit de atenção e lacunas na aprendizagem. Temos necessidade de brincar, criar, parar só de entreter. Entreter é não pensar. É fugir. É  e n t o r p e c e r.

Liberto meus pensamentos em letras e notas, alivio como um gozo. Mas penso em ganhar dinheiro com eles – que promiscuidade! Afinal precisamos viver. Mas também buscar por nós em meio a tanta criação dentro da caixinha.

E a arte dá essa chance, até de renda. Performances de subjetividades, monetizadas, claro.

A sorte é que a gente é desobediente – e que teimosos que somos! Mesmo que digam, que pensem, que falem, mesmo com todo o cenário negativo a gente segue fazendo, sonhando (ando estudando como nunca), com nossa identidade terceiro mundana, inglês meia boca e pouca verba. Fazemos o que entendemos por arte com as nossas próprias mãos, por mais exóticos e neuróticos que sejamos. O mais perto que se pode chegar da Liberdade.

(*) Estarei dia 14 no Quintal Cultural com xs amigxs da Pedra Redonda, coletivo de compositorxs, cantorxs e instrumentistas; dia 16 participo do show do bandolinista Felipe Cemim no Café Fon Fon; e dia 21 de dezembro estarei com o meu projeto instrumental em formato trio no Bar Parangolé – todos os eventos iniciam às 21:00 hrs.

Clarissa Ferreira é violinista, doutoranda em Etnomusicologia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, professora substituta do curso de Música Popular da UFRGS e autora do blog Gauchismo Líquido


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