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17 de março de 2020
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19:59

A pandemia no pandemônio

Por
Sul 21
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A pandemia no pandemônio
A pandemia no pandemônio
Cartaz de medida de prevenção sobre Corona Vírus na faculdade de arquitetura da UFRGS. Foto: Luiza Castro/Sul21

Céli Pinto (*)

Como leiga, não tenho nenhuma informação relevante a acrescentar em relação àquelas que estão sendo vastamente veiculadas na imprensa sobre a pandemia provocada pelo novo Coronavírus. Há uma intensa cobertura na mídia sobre a pandemia mundial e sua chegada ao Brasil, na maioria das vezes de razoável qualidade. A questão que gostaria de colocar aqui é de outra ordem e diz respeito ao assustador acréscimo de gravidade de uma pandemia quando ocorre em um país em estado de pandemônio.

Nunca ficou tão claro como agora, na atual crise sanitária mundial, que o Brasil não tem governo. Cada um faz o que bem entende. Cada prefeito, cada governador dá suas ordens, a maioria com boa intenção, mas em total falta de coordenação. O Ministro da Saúde parece ser um médico com responsabilidade e não tem falado absurdos, mas vem sendo desautorizado por seu superior. Até quando ele vai se segurar no cargo é uma incógnita e qual sua real autoridade para tomar decisões também.

Politicamente o país está à deriva. Entretanto, na minha opinião, não é hora de uma campanha pelo impeachment de Bolsonaro. Não podemos nos dar ao luxo de desviar a atenção do que importa para ficar discutindo se este demente deve ou não sair do governo. Além do mais, existem 30% de apoiadores, alguns tão demenciados quando o ex-tenente. Eles acham que “ainda vale a pena ter Bolsonaro e não o PT”. Também há um Congresso Nacional muito conservador, para não dizer reacionário. Às vezes o caos é tão grande que até esquecemos que Rodrigo Maia é do DEM.

E, para fazer uma campanha para o impeachment, vamos chamar o povo para as ruas?

A pandemia é gravíssima em todo o mundo, mas no Brasil a situação é mais grave e ameaça a sobrevivência de muita gente, porque pegou um país em pandemônio. Sem liderança, sem rumo, sem políticas públicas. Se Bolsonaro é realmente um demente completamente fora da curva, que parece ter pouco contato com a realidade, seu Ministro da Economia é um elemento ainda mais perigoso, astuto e sem nenhuma preocupação com o povo, é um empregado de segundo escalão da banca internacional.

Bolsonaro lembra uma figura popular do absolutismo seiscentista, a do rei demente, que matava seu povo e obrigava seus vassalos a aplaudir. Pode ser encontrado em qualquer filme de baixo nível sobre a época. O tal Guedes tem a postura, inclusive física, do lacaio feliz, aquele que é mandado pela banca internacional, que deve se divertir vendo a obediência imoral.

Quem me lê pode pensar que estou sendo contraditória, pois, mesmo com estas descrições, não acho que é momento para uma campanha pelo impeachment. Até porque ele não se cria. Estou convencida de que esta é a hora para nós, da esquerda, propormos uma política de minimização de danos.

E isto é bem difícil, porque necessitamos de muita responsabilidade. Não podemos sair criticando políticos de nosso próprio campo só por motivos eleitoreiros ou vaidades pessoais. Não podemos bater todo tempo na mídia, mesmo quando está prestando um serviço de utilidade pública, porque ela apoiou o golpe contra a presidenta Dilma.

A crise vai atingir em cheio a população mais pobre, mais vulnerável, e precisamos entender que esta população tem poucos canais de informação. As redes sociais são lamentáveis, cheia de achismos, cheias de receitas absurdas. Não podemos nos dar o luxo de ficar criticando jornalistas das grandes redes porque somos intelectuais e de esquerda. Precisamos entender que há um serviço de utilidade pública que estas redes de comunicação em seu sinal aberto – inclusive a Globo que tanto odiamos – está prestando. Este serviço é importante para a população mais pobre, menos educada, com menos ferramentas para se defender.

O Brasil tem uma sociedade civil muito frágil, agora mais ainda, numa fase de neoliberalismo delirante somada à ideologia do empreendedorismo proletário. A ideia do coletivo foge ao imaginário deste pobre país. Isto é trágico em tempos de uma gravíssima crise sanitária mundial como a que estamos vivendo.

Cabe a nós, da oposição a este desgoverno, sermos muito firmes e solidários com os que serão mais atingidos. Não podemos incorporar um individualismo às avessas, criticando todo mundo, denunciando até governos estaduais progressistas somente porque não são de nosso exclusivo partido. Se não há governo, é hora de nós termos muita responsabilidade, ou corremos o risco de nos rebaixarmos e ficarmos em uma discussão rasa, imersos no pandemônio, quando deveríamos pensar da pandemia.

(*) Professora Titular do Departamento de História da UFRGS.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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