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30 de junho de 2019
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19:48

Não há lugar para nenhum otimismo

Por
Sul 21
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Não há lugar para nenhum otimismo
Não há lugar para nenhum otimismo
Reprodução/Youtube

Céli Pinto (*)

Fazer um balanço dos 6 meses do governo Bolsonaro não é tarefa difícil: Bolsonaro, seus ministros e seus familiares protagonizaram um festival de estupidezes que não têm par na história recente do Brasil e, me arriscaria a dizer, nem na história de parte significativa dos países deste planeta. Mas nada disto importa. O governo tem a confiança e o apoio de quem realmente o colocou lá. Não houve ainda qualquer atitude que desqualifique Bolsonaro e seu governo frente aos detentores do capital, sejam eles de que origem for, frente ao núcleo duro de eleitores de setores das classes médias e de parte das classes populares.

Bolsonaro não foi eleito para governar. Até aqueles de poucas luzes, que elegeram um pato para símbolo, têm clareza de que Bolsonaro é um indivíduo com sérias limitações, para dizer o mínimo. Também as classes médias bolsonaristas, mesmo que pouco cultivadas, com seus Drs obtidos em simples cursos de graduação, conseguem, com algum esforço, perceber  que Bolsonaro é patético. As classes populares fazem de conta que não acreditam no que dizem contra o ídolo que prometeu acabar com a violência à bala.

A questão é que nada disso importa. Poderia fazer uma lista interminável de assustadoras idiotices que este governo divulga quase diariamente, que o desmoralizam como autoridade pública, que ferem a Constituição, que agridem o mais simples bom senso e envergonham o país internacionalmente. É engano pensar que só a esquerda ou a centro esquerda consegue dar-se conta do caos que se estabeleceu.   E me parece que esta é uma questão central, seríssima, que deve ser enfrentada, ainda que seja de muito difícil enfrentamento: de nada adianta dizer que o rei está nu, porque todos sabem que o rei está nu, já que foi eleito para andar nu.

A grande mídia de TV e jornais, bem como a classe política, composta de deputados, senadores e governadores, também têm clara consciência de que o governo Bolsonaro é uma piada de mau gosto, mas isto não é relevante. Ao contrário, é importante para os interesses que defendem ter um ser que não pensa, com claras dificuldades cognitivas e intelectuais; que tem um entendimento parco da realidade e nenhum comprometimento ético com o povo; que tem uma mal explicada aproximação com a contravenção no Rio de Janeiro; que faz uso de uma pretensa religiosidade para contrariar uma cláusula pétrea da constituição brasileira que é a laicidade do Estado. Bolsonaro é tudo isto e por isto serve.

Quando assistimos os comentaristas políticos de TV, ou lemos os grandes jornais, nos deparamos com a descrição de um governo comum, com problemas comuns. No máximo os editoriais e comentários falam da dificuldade de articulação no parlamento para que seja aprovado o que realmente interessa: no momento, a reforma da previdência e logo, e talvez o mais importante, a privatização de todos os próprios nacionais, incluindo a Petrobras e o Banco do Brasil.

O mesmo acontece quando se manifestam as lideranças do Congresso Nacional ou os governadores de estado. O que importa são as reformas, são as futuras privatizações. As críticas recaem sobre a incapacidade do governo em criar maioria. E param por aí.

Se Bolsonaro foi vender miçangas no Japão, não importa.

Se seus filhos têm patrimônios muitas vezes maiores do que seus rendimentos, não importa.

Se o ministro das Relações Exteriores afirma que o aquecimento global é consequência da posição dos termômetros, não importa.

Se o Ministro da Educação resolve transformar o MEC em cenário em um stand up cômico de extrema direta, não importa.

Se Bolsonaro repetidamente envia ao Congresso Nacional decretos inconstitucionais, não importa.

Se a única declaração de um General Ministro sobre a apreensão de 39 quilos de cocaína em umaavião da frota presidencial foi de que “deu azar ter acontecido no momento errado”, não importa.

Se Moro agiu como advogado de acusação nos processos contra Lula, quando era juiz, não importa.

Se Dallagnol agia como menino mandado de um Juiz que tinha um ministério prometido por um candidato à presidência da república, não importa.

Importa que os trabalhadores percam todos os seus direitos, que os pobres, os negros, os jovens sejam criminalizados e sirvam como carne fresca para fuzis de uma polícia instruída para matar sempre, ou sejam os eternos ‘hóspedes” de prisões medievais e em um futuro próximo, privadas.

Importa que uma falsa moral religiosa e fanatizada persiga mulheres e a população LGBTI cortando direitos, promovendo discriminação, fazendo vista grossa aos crimes.

Importa que os serviços públicos de água esgoto sejam privatizados; que os serviços públicos de transporte sejam privatizados, que o ensino universitário seja privatizado, que a Petrobras seja privatizada, que Banco do Brasil seja privatizado.

Importa, e como importa, que o ex-presidente Lula apodreça na cadeia.

É para isto que Jair Bolsonaro foi eleito, não importa sua figura mambembe. Seu governo é apenas um detalhe, mas um detalhe importante. Estamos frente a um momento muito trágico da história brasileira. Não há lugar para nenhum otimismo.

(*) Professora Titular do Departamento de História da UFRGS.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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