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23 de maio de 2017
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11:08

Modernização da pesquisa

Por
Sul 21
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Cecilia Rutkoski Hoff

No início de maio, o governo do Estado anunciou a liberação de R$ 18,5 milhões para o incentivo à pesquisa no Estado, por meio de editais da Fapergs. Na ocasião, o governador Sartori afirmou que “a pesquisa científica é uma riqueza que orgulha o Rio Grande do Sul”. Já o titular da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia, Márcio Biolchi, declarou que “nos dias atuais não se faz desenvolvimento sem ciência, sem tecnologia, pesquisa e estudos”. Entre 2011 e 2015, o Tesouro do Estado repassou cerca de R$ 30 milhões ao ano, em média, para os programas de incentivo da Fapergs, e a instituição espera receber este ano cerca de R$ 40 milhões. A intenção de aumentar os recursos para os editais é bem-vinda, haja vista as dificuldades do setor. Mas a retórica soa inconsistente e vazia, vinda do governo que orienta o maior desmonte da pesquisa já visto no Estado. Ao mesmo tempo em que reconhece a pesquisa como riqueza, o governo promove a extinção de fundações que há décadas se dedicam à atividade e renuncia ao conhecimento acumulado em diferentes áreas, como meio-ambiente (FZB), gestão pública (FDRH), economia e estatística (FEE), planejamento urbano (Metroplan), tecnologia (Cientec), agropecuária (Fepagro) e saúde pública (Fepps). De quebra, também propõe a extinção da principal difusora da cultura local (Fundação Piratini).

Foto: Maia Rubim / Sul21

A proposta de extinção das fundações reflete uma concepção, para muitos já superada, de que o setor público e o setor privado concorrem na atividade de pesquisa. Os sistemas de inovação bem-sucedidos são construídos pela geração de complementariedades entre empresas, universidades e setor público, e este último é tanto mais relevante quanto menor a disposição do setor privado em alocar recursos para a pesquisa. No Rio Grande do Sul, as fundações representam uma parte importante do sistema, fornecendo estudos, dados e análises que são utilizados pelo próprio setor público, pelas universidades e pela sociedade em geral. É ilusório imaginar que os trabalhos conduzidos pelas fundações poderão ser substituídos pela contratação privada sem prejuízos ao Estado, sejam eles imateriais (ocasionados pela descontinuidade das pesquisas ou pelo surgimento de limitações no acesso às informações que hoje são públicas), sejam materiais (pela contratação de serviços mais caros e de pior qualidade para substituir as pesquisas interrompidas).

A economia de recursos pretendida com as extinções, que já era pequena, será ainda menor do que o governo esperava quando enviou o projeto à Assembleia Legislativa. Segundo um novo entendimento do Estado, os funcionários que cumpriram o estágio probatório até 1998 não poderão ser demitidos, mesmo com a extinção das instituições. Com isso, o potencial de “demissíveis” se reduziu de 1,2 mil para cerca de 800 pessoas. O governo então refez o discurso, afirmando que o objetivo é a modernização do Estado, e não a economia de recursos. Que tipo de modernização? As fundações já estavam passando por uma renovação, após anos de sucateamento, e esse processo poderia ser complementado com ajustes no foco e com a busca de novas parcerias. Por não fazerem parte da administração direta, as fundações têm mais flexibilidade para o estabelecimento de convênios e para a captação de recursos – potencial que poderia ser explorado de forma mais ativa, se houvesse a real intenção de modernizar. Como disse João Carlos Brum Torres, secretário do Planejamento no governo Britto, em entrevista ao Jornal Já: “mesmo que essas fundações tenham problemas, fazendo menos do que poderiam em decorrência de todo um quadro difícil, não quer dizer que não possam ser revitalizadas. Tem que pensar que o Rio Grande do Sul não vai terminar e para se recuperar vai precisar de conhecimento”.

A modernização das fundações poderia ser feita com gestão, mas o que o governo propõe se resume em transferir pesquisadores para a administração direta, limitando as suas possibilidades de pesquisa, e demitir aqueles que fizeram concurso a partir do final dos anos 1990. Na sequência, pretende buscar no mercado profissionais com perfil semelhante, mas sem concurso e experiência, para tentar dar seguimento aos mesmos trabalhos. Não há clareza sobre como as pesquisas terão continuidade. O governo descarta o patrimônio material e imaterial construído em décadas, a memória e a cumulatividade da pesquisa, sob o pretexto de modernizar. E ainda quer fazer crer que valoriza a pesquisa no Estado.

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Cecilia Rutkoski Hoff é professora da Escola de Negócios da PUCRS.


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