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29 de abril de 2017
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10:00

Lei Kandir e crise fiscal

Por
Sul 21
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Cecilia Rutkoski Hoff

Enquanto os serviços públicos do Rio Grande do Sul colapsam e o plano de recuperação fiscal proposto pelo governo federal caminha a passos lentos, os créditos volumosos que o Estado possui contra a União, oriundos das compensações atrasadas da Lei Kandir, voltaram ao debate como uma possível solução para a crise fiscal. O governo federal está impondo pesadas contrapartidas no processo de renegociação das dívidas estaduais, que violam flagrantemente a autonomia federativa, sem considerar que parte da crise que os Estados enfrentam resulta justamente da queda das receitas provocada por decisões de política econômica tomadas no âmbito nacional. Em Minas Gerais, o governo estadual já solicitou um encontro de contas, na expectativa de tornar-se credor da União. No Rio Grande do Sul, os créditos são estimados em mais de R$ 40 bilhões e representam uma parcela significativa da dívida de cerca de R$ 60 bilhões. Ainda que o resgate de todo esse valor seja pouco provável, a profundidade da crise fiscal que o Estado atravessa torna a sua cobrança tão obrigatória quanto a denúncia do desequilíbrio de forças implícito no plano de recuperação fiscal.

A Lei Kandir (Lei Complementar nº 87, de 1996) desonerou as exportações de produtos básicos e semielaborados da cobrança de ICMS. Pouco se fala da sua relação com a conjuntura econômica da segunda metade dos anos 1990, isto é, da necessidade de gerar divisas para fechar as contas externas. A ancoragem cambial do Plano Real, apesar de exitosa para debelar a inflação, teve como consequência o aumento da vulnerabilidade externa da economia brasileira. Em 1998, o déficit em transações correntes do balanço de pagamentos alcançou cerca de 4,0% do PIB – atualmente esse déficit representa 1,0% do PIB. Tal cenário, combinado com uma conjuntura internacional instável (com as crises mexicana, asiática e russa), que se traduzia na instabilidade dos fluxos de financiamento, contaminava o desemprenho da economia brasileira, que precisava manter os juros altos para atrair capitais e conter as importações que poderiam ampliar o déficit. A Lei Kandir, ao estimular a geração de divisas com exportações, respondia a esse contexto.

Fora o objetivo de gerar divisas, os benefícios econômicos da Lei Kandir eram e ainda são controversos. Principalmente porque, à medida que as exportações de bens primários são estimuladas, reduzem-se os incentivos para a agregação interna de valor. A Lei também acabou afetando o precário equilíbrio federativo: os Estados de base exportadora foram privados de parte de suas receitas, enquanto as obrigações do pacto federativo com relação aos serviços públicos (sobretudo com educação e segurança) permaneceram. Para evitar esse problema, previu-se uma compensação financeira aos Estados exportadores. Nos primeiros anos, os repasses ocorreram com alguma regularidade, mas com o tempo foram ficando cada vez menores e incertos. Há uma explicação econômica para a redução gradativa dos repasses, o fato de que a própria Lei estimula as exportações e que os Estados acabam se beneficiando indiretamente. Essa parece ser a justificativa para que a as compensações não sejam integrais. Mas a falta de um regramento para os repasses, mesmo que parciais, acabou ampliando a discricionariedade do governo federal e os Estados se tornaram pedintes de recursos aos quais têm direito.

Em resposta a uma ação proposta originalmente pelo governo do Pará, da qual o Rio Grande do Sul é parte desde 2010, o STF determinou que a regramento para as compensações seja regulamentado até novembro deste ano. Não há, contudo, garantias de que o resultado será favorável aos Estados. Ainda é necessário evitar que a regulamentação apenas chancele a política atual e que as compensações acabem se resumindo a valores simbólicos.

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Cecilia Rutkoski Hoff é professora da Escola de Negócios da PUCRS.


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