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1 de março de 2017
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11:43

Desequilíbrio federativo

Por
Sul 21
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Cecília Hoff

O governo federal finalmente enviou ao Congresso a nova lei de recuperação fiscal dos Estados. A primeira proposta já tinha sido aprovada no final de dezembro, em conjunto com a renegociação das dívidas estaduais, mas foi vetada pelo executivo, devido à exclusão, pelos deputados, das principais contrapartidas exigidas pela União. A nova lei prevê, além de três anos de carência nos pagamentos da dívida com a União, a flexibilização temporária dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), medida fundamental para que os Estados possam tomar novos financiamentos e regularizar as suas pendências com servidores e fornecedores, pelo menos até que o ritmo de crescimento das receitas se normalize. A exigência de contrapartidas faz parte do processo. É natural que a negociação em condições especiais tenha como condicionante a existência de um plano de equilíbrio de longo prazo, para que no futuro não haja a necessidade de novos socorros e para não gerar assimetrias e privilégios em relação aos Estados que não precisam de ajuda. O problema reside na definição dos limites aceitáveis para as contrapartidas. Como garantir o equilíbrio financeiro de longo prazo e ao mesmo tempo preservar a autonomia dos Estados na definição das suas prioridades? O presidente da Câmara já sinalizou que será difícil aprovar a proposta tal como está. A depender do teor das emendas, corre-se o risco de o projeto ser novamente vetado.

Parte importante das contrapartidas exigidas na lei já foi adiantada pelo governo do Rio Grande do Sul, como a instituição de um fundo de previdência para os servidores estaduais, o aumento da contribuição previdenciária para 14%, o compromisso de não usar o crescimento futuro das receitas apenas com gastos de pessoal (Lei de Responsabilidade Fiscal Estadual). Vale notar que a extinção das fundações não faz parte das exigências e tampouco faz diferença em termos financeiros. O próprio governo reconheceu, quando enviou a proposta à Assembleia Legislativa, em dezembro do ano passado, que visava a “modernização” da gestão pública, e não necessariamente a economia de recursos. Ao que consta, o próprio Ministério da Fazenda recuou quanto à inclusão, entre as contrapartidas, da redução da carga horária e dos salários dos servidores, ou mesmo da demissão de concursados. Ainda que estejam previstas na LRF, caso os limites com gastos de pessoal sejam superados, essas medidas, além de altamente controversas, podem ser consideradas inconstitucionais. Também consta entre as contrapartidas a redução dos benefícios fiscais, em pelo menos 20%. Trata-se de uma medida importante, que pode ampliar as receitas dos Estados, mas que precisa ser feita após uma análise cuidadosa do custo-benefício, já que alguns incentivos podem se justificar. A exigência de privatizações e a proibição de realização de concursos e de reajustes nos salários dos servidores parecem, por fim, avançar em demasia sobre as prerrogativas locais. São, por isso mesmo, as contrapartidas mais polêmicas.

A situação é crítica e a negociação de condições especiais para a recuperação fiscal dos Estados é urgente, somente assim alguns poderão atravessar a crise e normalizar a prestação de serviços públicos. As receitas fiscais caíram brutalmente nos últimos dois anos, em função da recessão, que teve origem na condução da política econômica nacional, e isso acabou afetando com mais intensidade os Estados historicamente endividados e com maior parcela de despesas com pessoal, sobretudo inativos, em relação às receitas. Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais decretaram calamidade financeira, mas há pelo menos outros nove em situação pré-calamitosa. A crise é generalizada e soa simplista a afirmação de que os Estados hoje em dificuldade tenham chegado nesta situação por irresponsabilidade na gestão das suas contas. Mesmo que, em alguns casos, tenha havido problemas de gestão (e este parece ser o caso do Rio de Janeiro), a crise federativa é mais profunda e tem relação com a demanda crescente por serviços públicos, exigidos constitucionalmente aos Estados, e a margem reduzida para a administração de receitas, muitas vezes cadentes em função das desonerações, da guerra fiscal, da Lei Kandir, etc. Há algo muito desequilibrado na equação federativa brasileira, que se reproduz na baixa qualidade dos principais serviços de obrigação dos Estados (segurança e educação) e no desequilíbrio estrutural das suas finanças.

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Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


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