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30 de março de 2017
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10:00

Autodestruição

Por
Sul 21
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Cecília Hoff

Os últimos indicadores vêm confirmando que o nível de atividade parou de cair, o que já é alguma coisa, mas as condições para uma recuperação digna do nome ainda estão longe de se firmar. A produção da indústria esboçou uma recuperação nos últimos meses do ano passado e se estabilizou em janeiro, o que pode contribuir, junto com o bom desempenho da agropecuária, para que o resultado do PIB do primeiro trimestre seja positivo, na comparação com o trimestre imediatamente anterior. Os dados do mercado de trabalho também melhoraram um pouco – o que não significa que não tenha sido exagerada a comemoração da criação de 35 mil vagas de emprego formal em fevereiro, quando em janeiro foram extintas 40 mil vagas e em dezembro, nada menos do que 462 mil. Mas ainda falta demanda para sustentar um crescimento que permita a recuperação sustentada do emprego e há muitas incertezas no caminho.

A crise no setor de carnes, por exemplo, é uma das surpresas com potencial para atrapalhar a recuperação. Trata-se de um dos poucos segmentos no qual o Brasil ainda é competitivo internacionalmente, as vendas de carnes correspondem a 8% das exportações nacionais e 13% das exportações gaúchas. O setor está apreensivo e não é sem razão. Os mercados internacionais demoram a ser conquistados e podem ser facilmente perdidos, basta dar algum motivo aos “parceiros” e estes rapidamente impõem restrições. Neste quesito, as exportações de alimentos são mais sensíveis, pois são mais suscetíveis à aplicação de barreiras sanitárias. Alguns países já estão barrando as carnes brasileiras e os danos parecem inevitáveis, embora a extensão dos impactos ainda seja incerta. O que se sabe é que a exportação de carnes é a ponta final de uma cadeia produtiva que gira milhões de empregos, movimentando desde a produção de fertilizantes e grãos, até as embalagens, o armazenamento e o transporte. É verdade que as fraudes no setor de alimentos são um problema de saúde pública, e que a propina por vezes parece ter-se embrenhado ao modo de operação do capitalismo brasileiro. Mas também é verdade que a divulgação açodada da investigação acabou expondo e fragilizando todo o setor, justo quando a economia está em frangalhos.

Haveriam instrumentos para estimular a recuperação da economia no curto prazo, mas o governo em exercício resiste em usá-los. Fica cada vez mais claro, pela queda rápida da inflação nos primeiros meses deste ano, que o Banco Central errou a mão nos juros, contribuindo para atrasar a recuperação. O crédito está travado, devido ao compulsório ainda alto e à mudança na forma de atuação do BNDES. A crise nas finanças dos Estados se aprofunda, e equipe econômica insiste na fórmula de forçar os governos estaduais a fazerem ajustes inócuos, que apenas agravam a crise. Os investimentos públicos estão praticamente parados e se depreciando (a nova ponte do Guaíba e a ampliação da BR-116, entre Porto Alegre e Pelotas, são exemplos). A taxa de câmbio voltou a se valorizar, algo bem recebido pelo Bacen e pelo mercado, por facilitar o controle da inflação, mas que frustra os planos de parte da indústria que vinha ensaiando uma recuperação voltada para o exterior. E estes são só alguns exemplos. O único movimento do governo no sentido de estimular a demanda foi a liberação das contas inativas do FGTS. É positivo, mas parece insuficiente.

No sentido oposto, a equipe econômica insiste que a saída para a crise está nas reformas de longo prazo e no ajuste fiscal. Muitas delas podem até ser desejáveis, ou necessárias, mas dificilmente vão impulsionar uma recuperação imediata. Medidas visando a ampliação da produtividade, como a desburocratização, podem contribuir para ampliar o potencial de crescimento futuro, mas não tiram a economia da crise. O mesmo vale para a reforma da previdência. Ainda que a dinâmica demográfica a torne necessária, não justifica a imposição de uma regra de transição abrupta, a descaracterização do viés distributivo do sistema brasileiro e a definição de um período de contribuição tão irrealista que se tornou piada. O governo continua apostando que a melhora da confiança proporcionada por essas e outras reformas vai estimular a ampliação da oferta, quando o maior problema, no momento, é o excesso de capacidade ociosa e a total falta de perspectiva para o crescimento demanda. A autodestruição parece não ter fim.

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Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


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