Colunas>Cecília Hoff
|
1 de fevereiro de 2017
|
09:00

Confiança não é tudo

Por
Sul 21
[email protected]

Por Cecilia Hoff

Em meados deste ano, muitos apostavam que a recuperação da economia já estava a caminho. A confiança dos empresários e consumidores, de fato, tinha melhorado. Também era possível observar, nos dados do segundo trimestre, sinais de recuperação na indústria, sobretudo nos segmentos exportadores, e de encerramento do movimento de redução de estoques. A convergência da inflação para a meta, finalmente, indicava para breve o início de um ciclo de redução dos juros. Logo ficou claro, porém, que as condições para uma recuperação sustentada da economia ainda não estavam postas. Visando ganhar credibilidade, o Banco Central atrasou a redução dos juros, o que provocou um aumento da taxa de juros real ex ante (calculada descontando-se a inflação esperada, que já estava em queda). Na prática, houve aperto nas condições financeiras. A regularização dos estoques teve fôlego curto e às exportações faltou dinamismo para puxar o restante da economia. Completando o quadro, a crise nos Estados se agravou. A maior confiança, enfim, esbarrou na ausência de condições objetivas para a recuperação da demanda.

Desde então, os indicadores de nível de atividade vêm oscilando. A leitura que prevaleceu dos resultados do segundo semestre apontou para uma espécie de “recessão dentro da recessão”, ou seja, um novo ciclo de redução da produção devido a acumulação indesejada de estoques. A produção da indústria de transformação nacional, que tinha crescido 1,2% no segundo trimestre de 2016, com relação ao primeiro, voltou a se reduzir no terceiro, em 1,3%. Havia a possibilidade de que a queda respondesse a fatores pontuais, como a paralisação da produção de automóveis, mas os dados de outubro e novembro continuaram ruins. Finalmente, o dado de dezembro, a ser divulgado esta semana, provavelmente será positivo, puxado pela recuperação do sector automotivo. Mas este resultado deve ser lido dentro do contexto mais geral. Apesar do vaivém conjuntural, que ora aponta para uma recuperação, ora para o agravamento da crise, a economia parece ter-se acomodado em um nível baixo de produção.

Confrontado com a realidade de que a recuperação da confiança não seria suficiente para induzir a retomada, o governo Temer resolveu agir. Do conjunto de medidas lançadas em dezembro, estima-se que a liberação para saque das contas inativas do FGTS possa injetar cerca de R$ 30 bilhões na economia, com reflexos na regularização de dívidas e no consumo das famílias. O Banco Central finalmente acelerou o processo de redução da taxa de juros, cujos efeitos devem se fazer sentir com mais força nos próximos meses, talvez no segundo trimestre. Por fim, o Ministério da Fazenda começou a propor soluções para a crise dos Estados. A partir das negociações, espera-se que os mais endividados ganhem algum fôlego para colocar em dia os pagamentos dos seus compromissos, especialmente com os salários dos servidores, até que o fluxo de receitas se normalize – na hipótese, é claro, de que as contrapartidas exigidas nas negociações não sejam impeditivas ou acabem agravando a recessão.

Ao contrário do imediato pós-impeachment, as condições para uma retomada, hoje, parecem mais promissoras. Até o cenário externo se mostra positivo, com a recuperação dos preços das commodities. Mas prevalecem riscos, como o de paralisação da economia frente ao agravamento do cenário político (delações), ou de aumento na aversão ao risco no mundo (Trump). E não há razões para uma retomada rápida. Em episódios anteriores, a economia brasileira respondeu bem à redução dos juros. Porém, nesta crise, em particular, a desalavancagem das famílias e das empresas tende a reduzir o potencial de estímulo via juros. Ou seja, as condições de partida são piores e há menos espaço para crescimento do crédito e do endividamento. Por outro lado, a ociosidade presente na economia contribui para retardar a recuperação do investimento privado, e tampouco há perspectiva de retomada dos investimentos da Petrobras ou das grandes obras de infraestrutura. Em suma, ainda que a recuperação esteja encomendada, os aceleradores tradicionais do crescimento estão desabilitados. Se tudo correr bem, haverá crescimento, baixo, em 2017.

.oOo.

Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.

 


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora