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4 de janeiro de 2017
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09:30

Um longo dezembro

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Sul 21
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Um longo dezembro
Um longo dezembro

Por Cecília Hoff

Neste primeiro artigo do ano, vou deixar as perspectivas para a economia de lado para relatar um pouco da minha experiência antes e durante a votação do projeto que propôs a extinção de nove fundações de pesquisa e cultura estaduais, entre as quais a Fundação de Economia e Estatística – FEE, onde trabalho. Recebemos com perplexidade, mas não exatamente com surpresa, a notícia de que a FEE estaria no pacote de extinções. Após a confirmação, iniciamos um trabalho intenso de defesa: angariamos o apoio explícito de representantes de um amplo espectro político e ideológico da sociedade, intensificamos a comunicação com a população, através da imprensa, das mídias sociais e dos protestos na Praça da Matriz, procuramos os deputados para esclarecer informações equivocadas passadas pelo governo e para explicitar tudo o que seria perdido com a extinção. Foi um longo dezembro.

Não lutamos apenas pelos nossos empregos, embora esta também tenha sido uma luta digna. O que dizer da demissão de 1.200 servidores concursados nas vésperas do Natal? Acreditamos e nos orgulhamos do nosso trabalho, que realizamos com zelo pelo que é público e com a consciência de sua importância para a sociedade. Sabemos que a qualidade deriva justamente da independência com a qual é conduzido. Recebemos o apoio dos nossos aposentados, que encararam o calor e a noite na Praça, por companheirismo e solidariedade à nova geração que seria impedida de dar seguimento ao trabalho das suas vidas. Protestamos vestidos de animais (Zoobotânica) e carregando cartazes e fomos reprimidos desproporcionalmente com bombas de gás. Ouvimos, entre tantas injustiças, um deputado nos chamar de incompetentes e o minuto de silêncio pela morte das fundações ser desrespeitado.

Os deputados da oposição foram incansáveis em demonstrar, com todos os argumentos possíveis, a falta de sentido ou justificativa do projeto. Ficou claro, desde o início, que o impacto financeiro das extinções seria pequeno (menos de 1% dos despesas estaduais), ou até nulo, quando se considera que parte dos serviços continuarão existindo e precisarão ser contratados de consultorias. Poucos deputados da base governista o defenderam. Num caso típico de pós-verdade, argumentaram que os 1.200 trabalhadores seriam sacrificados em benefício dos 11,5 milhões de gaúchos. Tomaram como base uma pesquisa, encomendada pelas federações empresariais, que mostrou que 72% dos gaúchos aprovavam o pacote, sendo que mais da metade dos entrevistados o desconhecia. Um triste exemplo de como a produção de estatísticas sob encomenda e a análise distorcida dos dados pode ser danosa para a sociedade.

Os argumentos pouco importaram. Por trás da ideia suficientemente vaga de “modernização”, as extinções atenderam aos interesses dos setores que veem no tamanho do Estado a origem dos problemas da economia gaúcha. A realidade, contudo, sempre mais complexa que o discurso, revela que o corte das despesas não é uma solução simples. Os maiores gastos do Estado são com a previdência, a segurança e a educação, e esses não podem nem devem ser reduzidos. Mas o governo insiste na fórmula e ignora o fato de que o equilíbrio financeiro também envolve rever subsídios, concedidos às empresas sem nenhuma transparência. Com a popularidade chamuscada pelas crises econômica e social, mira nas instituições miúdas, ciente de que o seu enxugamento não fará diferença para crise fiscal, mas sequioso de mostrar algum serviço na direção prometida. Ao final, a sociedade perde os serviços que hoje são públicos, sem ver resolvida a crise financeira ou a melhora no atendimento daqueles serviços considerados essenciais.

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Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


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