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9 de novembro de 2016
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09:00

Crise de receitas

Por
Sul 21
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Crise de receitas
Crise de receitas

grafico-caindoPor Cecília Hoff

No início de 2016, projetava-se a recuperação da economia para o segundo semestre do ano. O prazo chegou, mas a recuperação ainda não. Em meados do ano, o crescimento de alguns setores da indústria parecia indicar o início tímido de uma retomada. A expectativa, contudo, não foi confirmada pelos dados do terceiro trimestre, que voltaram a se reduzir. Não parece estar havendo um aprofundamento da crise, mas tampouco crescimento. O comportamento irregular de alguns indicadores aponta, quando muito, para uma estabilização da atividade econômica em um nível bastante baixo. As projeções mais recentes parecem convergir para uma recuperação pequena no quarto trimestre e um crescimento em torno de 1% em 2017. Ou seja, muito pouco ou quase nada perto da queda de 7% no biênio 2015/16.

Excluindo-se a possibilidade de recuperação do consumo, que pode vir da queda da taxa de juros e da melhora nas condições de crédito, é pouco provável que os demais componentes da demanda, como as exportações ou o investimento, assumam o papel de indutores do crescimento. As exportações esbarram na falta de competitividade e no baixo crescimento esperado para a economia mundial, enquanto o investimento na indústria dificilmente vai se recuperar no curto prazo, dada a elevada capacidade ociosa no setor. Haveria a possibilidade de expansão dos investimentos em infraestrutura, não fossem a crise fiscal do governo e as dificuldades enfrentadas pelas maiores empreiteiras do país, enquanto as concessões parecem insuficientes para alavancar uma recuperação. A crise política permanece no espectro, com as novas delações que estão por vir ou até com a ameaça de cassação de Temer na justiça eleitoral. Mesmo a hipótese de uma retomada liderada pela expansão do consumo pressupõe condições muito particulares. Caso a moeda nacional volte a se desvalorizar, em resposta aos eventos externos ou à crise política, ou surjam incertezas sobre o processo de desinflação, o juro tende a cair mais devagar, atrasando a recuperação. Também existem dúvidas sobre o potencial de resposta do consumo à queda dos juros, haja vista o ainda elevado endividamento das famílias e o desemprego. Tudo indica, portanto, que a superação da crise não será rápida.

Enquanto a recuperação não vem, a crise vai atingido tons dramáticos nos estados mais endividados e, portanto, mais dependentes do ingresso de receitas para o pagamento das despesas correntes. O Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul parecem ser os casos mais graves. Em virtude da queda da atividade, as receitas se tornaram insuficientes para fazer frente às despesas mais básicas e os atrasos nos pagamentos dos salários dos servidores e outros repasses viraram rotina. Nesta situação, a solução frequentemente evocada, de melhorar a eficiência do setor público, pode até ajudar, mas não resolve o problema, dado que grande parte das despesas (como as da previdência, por exemplo) não podem ser reduzidas. Em maior ou menor grau, a crise dos governos estaduais também compromete a retomada nacional, daí a urgência de uma solução nacional que envolva o aumento das receitas, ou, no mínimo, a ampliação da margem de endividamento dos estados, pelo menos até que as receitas voltem a crescer em conjunto com o restante da economia. A solução alternativa, de impor aos estados a redução dos gastos com os serviços públicos, que de resto já estão abaixo do que seria necessário para que a população possa ser atendida com o mínimo de dignidade, não é apenas cruel, mas também contraproducente, visto que colabora para o aprofundamento da crise.

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Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


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