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13 de outubro de 2016
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10:00

A face mais dura da crise

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Sul 21
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Brasil, São Paulo, SP. 13/05/2013. Secretaria Municipal do Desenvolvimento promove "Feira do Trabalho 2013" oferecendo cerca de 5000 empregos em diversas áreas. Foram montadas barracas em frente ao Correio Central no Vale do Anhangabaú. - Crédito:TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO CONTEÚDO/AE/Código imagem:150810

Por Cecília Hoff

Enquanto o desempenho modesto e irregular dos indicadores de produção vai empurrando para 2017 a perspectiva de recuperação da economia, é no desemprego que a crise mostra a sua face mais dura. Segundo a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED/DIEESE), a taxa de desemprego na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) tem-se mantido em torno de 11% desde o início deste ano. Se a estabilidade da taxa parece indicar que o pior já passou – afinal, o desemprego parou de subir –, a sua magnitude, que representa um contingente de 200 mil desempregados, revela a profundidade da crise. Basta uma caminhada no Centro de Porto Alegre para perceber o aumento da informalidade, isso sem contar a quantidade assustadora de pessoas morando nas ruas, um cenário que era comum nos anos 1990 e que parecia superado em meados da primeira década dos 2000.

Ainda assim, na comparação com outras regiões do país, a RMPA parece privilegiada. Em Salvador a taxa de desemprego já alcançou 25%, em São Paulo está perto de 18%, no Distrito Federal, 19%. Nessas regiões, também se verifica o aumento do desemprego oculto pelo trabalho precário, algo que ainda não apareceu nas estatísticas da RMPA. Mas isso não significa que a crise no estado seja menor. Tais resultados refletem, sobretudo, os efeitos da transição demográfica, que aqui se encontra mais adiantada na comparação com as demais regiões. Na prática, a menor população jovem, somada ao aumento da população idosa, contribuem para reduzir a procura por emprego. Em sentido oposto, a demografia também explica porque, no auge do crescimento do emprego no país, em 2014, a taxa de desemprego na RMPA (cerca de 6%) tenha sido a mais baixa entre as regiões pesquisadas. Por fim, o envelhecimento populacional também ajuda a explicar porque, a despeito da recessão que levou a uma redução de cerca de 7,0% do PIB no biênio 2015/16, a taxa de desemprego da RMPA ainda seja a metade da verificada no final dos anos 1990.

Em agosto, na comparação com julho, houve uma recuperação modesta do emprego na indústria e na construção (geração de 25 mil empregos), enquanto no comércio e nos serviços a crise prossegue (redução de 30 mil empregos). Mesmo na hipótese de uma retomada da economia no próximo ano, o crescimento do emprego e a queda da taxa tendem a ser mais lentos. Em geral, o emprego é uma das últimas variáveis a se recuperar: nos processos de crescimento da demanda, é normal que o aumento da produtividade anteceda a criação de novas vagas – o inverso também é verdadeiro, nas crises, a produtividade costuma cair antes de as vagas serem cortadas. Além disso, a procura por emprego costuma ser pró-cíclica, isto é, aumenta em períodos de crise, quando a renda familiar cai, o que contribuiu para manter a taxa de desemprego elevada. Finalmente, em vista do esgotamento econômico e político do modelo de crescimento baseado na expansão da renda e do consumo das classes mais baixas, que até 2014 contribuiu para acelerar a expansão do emprego, sobretudo nos serviços, é pouco provável que o país volte a ostentar taxas de “pleno emprego” nos próximos anos.

Como chegamos nesta situação? As razões são muitas e ainda precisam ser desvendadas em sua complexidade, sem recorrer a reducionismos. Muito já se falou sobre a confluência de três crises – a crise econômica internacional, a crise causada por equívocos na condução da política econômica brasileira e a crise política –, mas ainda é difícil determinar o peso de cada um desses eventos para a tragédia econômica dos últimos dois anos. Enquanto a recuperação não vem, o trabalhador, desempregado ou com medo de vir a ser, aceita entre impotente e resignado a sucessão de reformas que não escolheu.

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Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


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