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12 de setembro de 2016
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11:33

Recuperação cíclica

Por
Sul 21
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o-ministro-da-fazenda-henrique-meirelles-e-o-presidente-em-exercicio-michel-temer-l9a5824115851Por Cecília Hoff

Consumado o golpe, o governo Temer conta com a recuperação da economia para conquistar alguma legitimidade. Tem ficado cada vez mais claro, no entanto, que a deposição da presidente Dilma não foi suficiente para garantir a esperada pacificação nacional, desde o início entendida como condição para a retomada da confiança e para a expansão dos investimentos. Antes pelo contrário. A magnitude e a persistência das manifestações contra o governo parecem revelar que a sociedade segue, no mínimo, tão dividida quanto estava nas eleições de 2014. Na verdade, a insatisfação vem crescendo desde 2013, e é possível que esse movimento seja mais amplo, talvez global. Ainda assim, adquire hoje, no país, uma maior proporção, haja vista a grande depressão que atravessamos e a frustração com o fim de um ciclo curto, mas importante, de crescimento com inclusão social. Em artigo recente, para o El País, Juan Arias escreveu que “se os governos continuarem achando que essa classe C está conformada com o que conseguiu, e que é uma massa acrítica fácil de dirigir, com um voto fácil de conquistar, poderão se surpreender. Nada mais grave e perigoso do que quando toda uma classe social perde a ilusão e a esperança de melhorar”.

De todo modo, a recuperação cíclica parece já estar a caminho, como de resto estaria qualquer que fosse o desfecho do impeachment. O PIB do segundo trimestre, mesmo abaixo das expectativas, trouxe indicações de que a economia está se estabilizando. Os estoques foram ajustados, após rodadas sucessivas de cortes na produção e no emprego, o que abriu espaço para o aumento da oferta – mesmo que marginal, destinada apenas a atender uma demanda reduzida. Sinais desse movimento podem ser encontrados nos dados de investimento, que interromperam uma sequência de dez quedas consecutivas, e na produção da indústria geral, que vem crescendo em todos os meses desde março. Por outro lado, os serviços continuam em queda, e assim tendem a permanecer enquanto não surgirem sinais claros de expansão da renda e do emprego.

No curto prazo, o novo adiamento da elevação da taxa de juros nos EUA pode facilitar a recuperação, na medida que contribui para estabilizar o câmbio, colocar a inflação na rota da meta e encaminhar uma redução da taxa Selic, talvez ainda este ano. É pouco provável, contudo, que esse movimento induza uma aceleração do crescimento, visto que a demanda permanece constrangida, por diversos fatores: o consumo privado pelo desemprego e pelo endividamento das famílias; o investimento pela capacidade ociosa e pelo endividamento das empresas; o consumo do governo pelo déficit público e pela dinâmica da dívida; as exportações pelo baixo dinamismo da demanda mundial. Além disso, mesmo que adiada, a alta dos juros nos EUA segue no horizonte, o que amplia as incertezas para o próximo ano. Ou seja, a recuperação pode ajudar a reduzir o mal-estar atual, mas não necessariamente facilita a vida do governo.

Nesta semana, também serão divulgados os dados do PIB do Rio Grande do Sul no segundo trimestre. A produção da indústria gaúcha vem exibindo algum crescimento ao longo deste ano, ainda que com maior volatilidade do que o verificado na média nacional. Contudo, assim como no país, essa recuperação não deve ser suficiente para evitar que o resultado agregado seja negativo. A crise fiscal enfrentada pelo Estado contribui para ampliar o quadro depressivo. O governo Sartori mantém a estratégia de superar a crise com a redução do tamanho do setor público, mesmo sabendo que não há muito a enxugar, visto que as grandes despesas, com a previdência, a segurança e a educação, não podem nem devem ser comprimidas. O que resta, então, é esperar que os efeitos da (fraca) recuperação nacional respinguem por aqui.

Com a demanda interditada, o governo Temer aposta na aceleração do crescimento através do estímulo direto à ampliação da oferta, o que envolve a agenda de concessões, a maior integração comercial e a atração de investimentos externos. Porém, para o bem e para o mal, a persistência da instabilidade política e a fraqueza da recuperação cíclica comprometem a execução dessa estratégia, que pressupõe alguma legitimidade para a implementação de políticas ditas modernizantes, mas também impopulares, que de outra forma não passariam pelas urnas. Neste contexto, a perspectiva de uma estabilização mais ampla por ora parece adiada para depois de 2018, quando a população for novamente chamada a escolher o caminho que deseja seguir.

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Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


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