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17 de agosto de 2016
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09:30

O nó fiscal

Por
Sul 21
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nóPor Cecília Hoff

A renegociação das dívidas estaduais parece estar finalmente se encaminhando para um desfecho. O debate foi intenso, visto que as contrapartidas inicialmente exigidas pelo Ministério da Fazenda eram duras, mesmo quando se reconhece que os termos propostos já incluíssem margens para a negociação com os parlamentares. Em troca da mudança do indexador, do alongamento do prazo de pagamento em 20 anos e de alguns meses de carência, a Fazenda exigia medidas como o veto à concessão de aumentos aos servidores nos próximos dois anos, a inclusão de gastos com pensionistas e terceirizados no critério de contabilização de gastos com pessoal para fins de cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a limitação do crescimento dos gastos à inflação do ano anterior, à semelhança da PEC encaminhada para o controle dos gastos federais. Na última semana, em votação na Câmara, as contrapartidas foram amenizadas – embora não impliquem, de forma alguma, em folga fiscal. Na proposta que foi finalmente encaminhada, preservou-se a limitação do crescimento dos gastos públicos à inflação do ano anterior, com validade limitada aos próximos dois anos.

Ainda que a situação fiscal do país e da maioria dos estados seja crítica, os condicionantes originais da renegociação implicariam num desmonte acelerado do Estado. A maior parte dos entes federativos ficaria desenquadrada da LRF, o que, em conjunto com a proibição de reajustes, ampliaria o risco de interrupção na prestação dos serviços públicos. Os deputados, fortuitamente, não aceitaram ir tão longe. Quanto à proposta que limita o crescimento dos gastos à inflação do ano anterior, parece ter sido desenhada para conciliar o crescimento nominal dos gastos com a sua redução como proporção do PIB e com a geração de superávits nominais a médio prazo. Em tese, poderia representar um ajuste fiscal relativamente suave, considerando-se que a inflação do próximo ano será menor do que a atual. Ainda assim, a sua execução não é trivial. Alguns gastos apresentam uma dinâmica de crescimento autônoma e superior à da inflação, como a folha de salários e a previdência, enquanto outros são vinculados ao crescimento das receitas. Neste caso, para que o crescimento do total dos gastos fique circunscrito à inflação, ou as regras mudam (aí se incluem a reforma da previdência e a Desvinculação das Receitas da União – DRU), ou os gastos de outras rubricas caem (os investimentos são sempre os primeiros candidatos à redução).

A situação das finanças do Rio Grande do Sul ilustra bem esse ponto. Entre janeiro e julho de 2016, as receitas cresceram 17,3%, em termos nominais, em relação ao mesmo período de 2015. Apesar da recessão, tiveram o reforço da elevação do ICMS e da venda da folha de pagamentos ao Banrisul. Os gastos totais, por outro lado, cresceram 15,1% (incluem o pagamento atrasado do 13º salário de 2015, mas ainda assim superam a inflação do período). Não se pode dizer que o governo estadual esteja esbanjando, muito pelo contrário. As promoções aos servidores e as novas contratações foram suspensas, os reajustes, quando concedidos, não cobrem a inflação, os investimentos estão paralisados e os gastos de custeio foram cortados. Mesmo assim, os parcelamentos de salários já viraram rotina. Até o processo de renegociação da dívida, que implicou, desde maio deste ano, em uma redução mensal de cerca de R$ 300 milhões nos repasses à União, não foi suficiente para que o estado conseguisse pagar em dia os salários. A folha mensal de pessoal é de cerca de R$ 2,0 bilhões e representa aproximadamente 70% dos gastos diretos (metade se refere à previdência). Não podendo se endividar, o estado precisa esperar, todos os meses, as receitas “pingarem” na conta para ir pagando os salários, as aposentadorias e outras despesas.

A votação da renegociação da dívida poderá significar algum alívio à situação das finanças estaduais se, com a mudança do indexador, o estoque da dívida for reduzido e isso abrir espaço para a assunção de novos empréstimos, ou para a troca de dívida cara (como a dos depósitos judiciais, por exemplo), por outra mais barata. As despesas e receitas mensais têm se mantido equilibradas (até porque não há alternativa) e o endividamento, neste caso, seria uma espécie de “capital de giro” que permitiria ao governo pagar as suas contas em dia. A rigor, a ampliação da dívida é algo normal em períodos de crise, até para evitar uma paralisação dos serviços que acaba por aprofundá-la. Não havendo essa possibilidade, restam poucas alternativas, entre as quais a estratégia de ir levando, e continuar atrasando os salários, até que as receitas se recuperem com mais força.

Por fim, mesmo com um eventual crescimento das receitas, ainda não se sabe como o crescimento dos gastos poderá restringir-se ao da inflação, sem prejuízo dos serviços públicos. O limite aos gastos embute o risco, bastante real, de favorecimento a grupos de interesse organizados, enquanto os recursos antes destinados para as áreas essenciais são reduzidos. Por outro lado, a desigualdade de renda vergonhosa que persiste em nossa sociedade, assim como as insuficiências na oferta de serviços públicos, denotam a necessidade de aumento nos gastos, e não o contrário. É evidente que o combate à corrupção e a ampliação da eficiência contribuiriam para a melhora dos serviços públicos, mas ilude-se quem acredita que a educação, a saúde, o saneamento, a segurança e a mobilidade urbana poderiam atingir níveis aceitáveis de cobertura e qualidade sem aportes extras de recursos. Com visto, o nó é grande.

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Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


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