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18 de julho de 2016
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11:16

Os dados às vezes enganam

Por
Sul 21
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indc3bastria-de-calc3a7adosPor Cecilia Rutkoski Hoff

A produção da indústria gaúcha cresceu 4,4% entre abril e maio, já descontados os efeitos da sazonalidade, conforme os dados divulgados recentemente pelo IBGE. À primeira vista, parece um excelente resultado, a indicar recuperação. Porém, o número pouco significa. É comum que os dados mensais mostrem oscilações intensas, em decorrência de motivos variados. O primeiro deles está relacionado à própria dinâmica da produção, que algumas vezes pode apresentar ciclos curtos de correção de estoques. Em outros casos, as oscilações podem derivar de questões técnicas relacionadas à pesquisa, como, por exemplo, eventuais atrasos na coleta de dados ou a captação inadequada da sazonalidade, quando ocorrem mudanças na distribuição da produção ao longo do ano, relativamente ao seu padrão histórico. Por fim, as oscilações costumam se revelar maiores nos dados regionais, haja vista o menor número de setores e de empresas. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a produção de derivados de petróleo é bastante significativa para o total estadual, com a preponderância de uma única empresa. Como resultado, oscilações pontuais na produção do setor (ou da empresa) costumam traduzir-se, com frequência, em oscilações bruscas também do dado agregado.

Por tudo isso, há que se utilizar com parcimônia as estatísticas mensais. Isso não significa, contudo, que as comparações anuais sejam preferíveis em quaisquer circunstâncias. A escolha da base de comparação depende, na prática, da situação e do fenômeno que se espera mostrar. As comparações anuais, como as variações acumulada em 12 meses ou acumulada no ano, envolvem períodos mais longos de tempo e tendem a ser mais robustas e menos voláteis. Por outro lado, também costumam revelar com atraso os processos de reversão cíclica. Isto é, após atingir o fundo do poço, a atividade poderá entrar, em algum momento, em processo de recuperação. Porém, como o nível de produção ainda será inferior ao observado no ano anterior, a estatística anual ainda registrará queda – podendo apontar, no máximo, para uma redução do seu ritmo. Assim, a estatística que compara a produção do mês contra o mês imediatamente anterior, apesar de volátil, parece adequada para a análise de períodos como o atual, quando, a despeito de o nível de produção ainda ser muito baixo, o início do processo de recuperação é monitorado e aguardado com ansiedade. Em suma, a comparação pode ser útil, desde que se reconheça e trabalhe com as suas limitações.

A taxa de crescimento da indústria gaúcha em maio foi, de fato, a maior entre os estados com participação relevante na indústria brasileira. Em São Paulo, por exemplo, a produção reduziu-se em 1,6%, no mesmo período, enquanto no total nacional ficou estável em relação ao mês anterior. Este resultado, no entanto, parece refletir apenas uma elevada oscilação mensal. No mês de abril, a produção da indústria gaúcha havia se reduzido em 3,8%, na comparação com março. E, na média do trimestre encerrado em maio (março-maio), contra o trimestre imediatamente anterior (dezembro-fevereiro), ainda mostra queda de 3,6%, enquanto a indústria paulista cresce 2,0% e a nacional registra redução de 0,2%. Assim, a expansão da indústria gaúcha verificada em maio apenas compensou parte das perdas do mês anterior, ao passo que o nível de produção ainda se encontra abaixo, não somente do verificado em 2015, mas também do verificado no início de 2016. No acumulado do ano, com relação ao mesmo período de 2015, os resultados ainda são muito negativos, tanto nacional (-9,2%) quanto regionalmente (-6,3%). O dado mais recente, por sua vez, não avaliza a hipótese de que estaríamos no limiar de um processo de recuperação. Quando muito, pode-se falar em tendência, ainda preliminar, à estabilização.

Entre os setores, o desempenho tem sido desigual, o que também não condiz com a hipótese de retomada. Em alguns segmentos tradicionais da indústria gaúcha, como o metal-mecânico e o automotivo, a produção continua em queda. Por outro lado, a recuperação tem se revelado mais clara em setores que tiveram a rentabilidade ampliada pela desvalorização cambial, como o alimentício e o coureiro-calçadista. Não são setores de ponta, em termos de intensidade tecnológica, mas têm participação importante na indústria gaúcha e estão bem distribuídos nas diferentes regiões do estado, o que torna a sua recuperação algo relevante. De todo modo, não é demais lembrar que, face à tendência recente de apreciação cambial, tal conjuntura talvez não se sustente. Há, no conjunto das informações, indicativos de que a produção caminha para um processo de estabilização, o que já é alguma coisa, na medida em que pode representar a ausência de reduções adicionais significativas na produção e no emprego industriais. A retomada, contudo, ainda não apareceu no horizonte.

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Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


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