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20 de junho de 2016
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10:35

Os motores ainda são fracos

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Sul 21
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por Cecília Hoff

Os principais indicadores econômicos passaram a apontar, com maior contundência, para uma estabilização do nível de atividade no país. Os resultados nem de longe podem ser interpretados como uma recuperação, visto que o nível de produção segue muito baixo, na comparação com o ano passado (queda de 5,4% do PIB no primeiro trimestre). Sinalizam, apenas, para uma estabilização na margem, ou seja, em relação ao período imediatamente anterior, já descontados os efeitos da sazonalidade. A única e importante exceção é o emprego, que em geral apresenta algum atraso em relação aos demais indicadores. A estabilização já é suficiente, contudo, para reduzir as expectativas de queda do PIB este ano. Se o nível de produção se mantiver no patamar atual, isto é, se não houver mais redução na comparação com o trimestre imediatamente anterior, a queda do PIB será de 2,6%. Tanto a contração de 0,3% do PIB no primeiro trimestre, quando se esperava 0,8%, quanto os resultados de outros indicadores, como o de produção industrial e as sondagens de confiança, parecem avalizar essa hipótese. Ainda seria uma queda, mas menor do que a projetada pela média do mercado (algo em torno de -3,6%) e por alguns organismos multilaterais, que preveem contração superior a 4,0%.

Trata-se, contudo, de uma mera hipótese. O resultado poderá ser melhor, caso haja, no segundo semestre, algum crescimento, mesmo que pequeno, e não apenas uma estabilização. Ou poderá confirmar as expectativas mais pessimistas, caso o nível de atividade volte a se reduzir na comparação com o trimestre imediatamente anterior. Tal possiblidade não é remota, haja vista a grande confusão política que paira sobre o país. As condições econômicas, contudo, parecem apontar para o cenário de estabilização. De um lado, a influência pró-cíclica exercida pela política econômica até recentemente – com corte nos gastos públicos e nos investimentos, aumento da taxa de juros, contração do crédito e reajuste de preços administrados – parece ter se encerrado. Se a política fiscal não foi para o terreno contra-cíclico, pelo menos passou a ser neutra. Na prática, a proposta de déficit primário de R$ 170 bilhões, encaminhado pelo governo provisório, reduz a necessidade de cortes nos gastos, pelo menos no curto prazo. A política fiscal poderá, inclusive, reverter-se em expansionista, caso o governo aceite uma renegociação das dívidas estaduais com algum desafogo para os estados no curto prazo. Na mesma direção, as dinâmicas recentes da taxa de câmbio, da inflação e dos juros, induzidas pela trégua esboçada no cenário externo (e que envolve a estabilização dos preços das commodities em patamar superior ao verificado no início do ano e alguma moderação do Fed no processo de elevação da taxa de juros), reforçam a hipótese da estabilização.

Outra questão, essa mais complexa, é quando a economia brasileira reunirá as condições para voltar a crescer. E, mais ainda, quando, já tendo alcançado o nível produtivo pré-crise, retomará o processo de expansão da sua base produtiva. A primeira etapa da recuperação, de ocupação da capacidade ociosa existente, é relativamente simples, embora não necessariamente trivial na presente conjuntura. Basta que se reúnam as condições para a expansão da demanda agregada. Porém, considerando-se que: (i) o crescimento do desemprego limita as possibilidades de expansão do consumo; (ii) os investimentos privados não crescerão enquanto houver capacidade ociosa; e (iii) a situação atual das contas do governo comprime, também, as possibilidades de expansão dos investimentos e dos gastos públicos; o início da retomada poderia vir apenas de dois caminhos: a expansão do crédito, via, entre outras medidas, redução da taxa de juros e liberação de parte dos depósitos compulsórios retidos no Banco Central, e o crescimento das exportações.

Uma eventual expansão da demanda via crédito está sujeita a dois condicionantes: inflação sob controle e existência de demanda por crédito. Com relação à inflação, apesar do repique verificado nas últimas medições, causado por fatores que, por ora, se apresentam como pontuais, a convergência para a meta parece já estar encomendada (mérito, se algum for, da gestão anterior). Quanto à existência ou não de demanda por crédito, os sinais são ambíguos. Representantes do setor financeiro afirmam não haver, mas empresários relatam a existência de demanda reprimida sob condições mais favoráveis, uma vez que as atuais seriam impeditivas. Uma ampliação no crédito poderia, assim, contribuir para a recuperação do nível de atividade, mas ainda há que se esperar para ver.

O volume exportado de fato está crescendo, e esse seria um bom sinal, não fossem as perspectivas moderadas para o desempenho da economia mundial e a participação relativamente reduzida das exportações na economia brasileira. A rigor, na recuperação da crise de 2002/03, as exportações se constituíram numa espécie de “motor de arranque” da retomada. Havia, naquele período, um contexto de demanda interna reprimida, bem semelhante ao atual. Contudo, na presente conjuntura, nem a taxa de câmbio é tão convidativa quanto o era em 2003 (aos preços hoje, estaria em torno de R$ 8,00/US$), nem o crescimento do comércio mundial, da demanda chinesa e dos preços da commodities é tão promissor. De todo modo, a recuperação recente verificada em alguns setores da indústria nacional está vinculada ao desempenho das exportações, e isso é especialmente verdadeiro para aqueles cuja participação é importante na estrutura produtiva do Rio Grande do Sul, como a produção de alimentos, químicos, fumo e calçados.

Se não houver um agravamento da crise política interna ou do cenário externo, o crédito e as exportações poderão contribuir para que, à estabilização atual, tenha seguimento uma recuperação do nível de atividade. A velocidade, contudo, tende a ser moderada, visto que os motores não são dos mais potentes. Ainda assim, uma vez iniciada, a recuperação tende a se realimentar, via expansão da renda e do consumo. Cumprida essa primeira etapa, o desafio seguinte, de crescimento da capacidade produtiva, é mais complexo e envolve a criação de condições para a expansão dos investimentos e da produtividade. Não há consenso sobre quais seriam essas condições. Estão na mesa a aceleração das concessões, para a ampliação dos investimentos em infraestrutura, e o aprofundamento da abertura comercial, além, é claro, da manutenção de bons fundamentos macro, através da retomada do tripé de política econômica. Serão suficientes?

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Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


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