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23 de maio de 2016
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10:05

A indústria gaúcha destoa no primeiro trimestre

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Sul 21
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A indústria gaúcha destoa no primeiro trimestre
A indústria gaúcha destoa no primeiro trimestre

19673_sapatosPor Cecília Hoff

Em meio ao cenário de depressão na indústria nacional, a indústria gaúcha surpreendeu positivamente no início de 2016. Nos primeiros três meses deste ano, na comparação com o último trimestre de 2015, a produção da indústria estadual cresceu 2,7%, o que equivale a um ritmo de expansão anualizada de cerca de 11%. No total nacional, houve queda de 2,3% no mesmo período. Seria uma boa notícia, não fosse um resultado ainda muito concentrado e sobre uma base de comparação muito baixa. Com relação ao primeiro trimestre do ano passado, a produção da indústria gaúcha ainda registrou um recuo de 6,6% – menor, de todo modo, do que a queda de 11,1% da produção nacional. A análise de um período mais longo fornece, contudo, uma dimensão mais clara da crise: no primeiro trimestre deste ano, o nível da produção da indústria de transformação nacional ainda estava 18,5% abaixo do verificado no mesmo período de 2008. No estado, 19,9% abaixo do nível daquele ano.

Lamentavelmente, o melhor desempenho da produção da indústria gaúcha no primeiro trimestre não parece apontar para o início de um ciclo sustentado de recuperação, descolado da dinâmica nacional. A indústria estadual é diversificada e o seu desempenho em geral acompanha a média do país. Ainda assim, a maior ou menor participação de alguns setores por vezes induz resultados temporariamente divergentes. O melhor resultado do trimestre, quando comparado com a média nacional, deve-se, principalmente, ao desempenho específico de dois setores, produtos do fumo e celulose. A produção de fumo, que se concentra na região Sul do país, sobretudo aqui no estado, cresceu 27,5% no primeiro trimestre, na comparação com o mesmo período do ano passado. Já o crescimento de 94,4% da produção de celulose refletiu, ainda, os efeitos da ampliação da fábrica da Celulose Riograndense, no ano passado. Trata-se, assim, do conhecido efeito-base, que deve se reduzir no segundo semestre deste ano. Nada comparável pode ser observado nos demais segmentos da indústria. Os setores de máquinas e equipamentos e de veículos e peças, estrelas do ciclo de crescimento anterior, continuam em crise, com quedas de 17,6% e 30,1% no primeiro trimestre, com relação ao mesmo período de 2015.

Já se observa, no entanto, alguma recuperação das exportações industriais. Essas crescem, aparentemente, buscando compensar a retração do mercado interno, mas também em reação à taxa de câmbio mais competitiva, à mudança na política externa argentina e à recuperação da economia dos EUA. As expansões, no trimestre, da produção de alimentos (3,9%), de calçados e partes (1,0%) e de químicos (0,3%), embora não tão pujantes quanto as do fumo e da celulose, parecem refletir este movimento de recuperação das exportações. Destaca-se, aqui, o notável crescimento do volume exportado de calçados e partes (29,9%) e de químicos (36,6%). Mesmo que modesta, a expansão da produção desses setores representa uma mudança na trajetória observada nos últimos anos, e sua importância se revela quando considerado o alcance relativamente amplo, sobretudo dos alimentos e dos calçados, ao longo das cadeias produtivas regionais.

A indústria de transformação representa cerca de 15% na economia do estado, contra 10% em nível nacional. As exportações industriais também são relativamente mais importantes para a economia gaúcha, seja devido aos seus efeitos diretos, seja aos indiretos, via cadeias produtivas regionais. Tais características contribuíram para que a estagnação e a subsequente queda da produção e das exportações industriais, que vêm sendo verificadas na economia nacional desde antes da crise de 2008/09, se refletissem de forma mais aguda na economia local. Ainda que não seja a única, essa parece ser uma das explicações para as dificuldades que a economia gaúcha vem atravessando nos últimos anos. Por outro lado, justamente essas mesmas características parecem indicar que um eventual novo ciclo de crescimento no país, que priorize a recuperação da indústria e das exportações, pode ser mais benéfico para o estado do que foi o ciclo anterior, puxado pelo dinamismo da indústria extrativa (ausente no estado) e pela inclusão via consumo. A concretização desse cenário parte, de todo modo, de dois condicionantes, não triviais: (i) a economia brasileira precisa voltar a crescer, (ii) sem incorrer novamente nos erros que aceleraram os processos de desindustrialização e a especialização regressiva da pauta exportadora.

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Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


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