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29 de fevereiro de 2016
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10:04

O pré-sal no centro da polêmica

Por
Sul 21
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O pré-sal no centro da polêmica
O pré-sal no centro da polêmica

Por Cecília Hoff

Com o apoio do governo e de integrantes da base aliada e da oposição, o Senado aprovou, na semana passada, o projeto que altera as regras de participação da Petrobras na exploração do pré-sal. Por trás da mudança, estão a fragilidade financeira da Petrobras e as perspectivas quanto à evolução futura do mercado mundial de petróleo, que, argumenta-se, inviabilizariam a estratégia de resguardar à empresa a liderança em todos os consórcios de exploração. O governo articulou, contudo, para que a Petrobras continuasse a ter preferência na operação dos consórcios – desde que tenha interesse e o manifeste em até 30 dias a partir de uma comunicação do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), e que a sua participação seja de no mínimo 30%. No projeto original, elaborado pelo senador José Serra, não havia essa prerrogativa. Assim, de acordo com o novo texto, que ainda seguirá para votação na Câmara dos Deputados e para a apreciação da presidenta, a Petrobras passaria a ter participação preferencial, mas não compulsória, na exploração do pré-sal.

Como toda política de intervenção governamental na regulação dos mercados, a obrigatoriedade da participação da Petrobras na exploração do pré-sal cerca-se de polêmica. Há razões de um lado e de outro. A favor da preservação da obrigatoriedade, pesam interesses estratégicos. Nesse aspecto, a importância geopolítica que o petróleo ainda exerce na economia mundial é um dos principais, mas não o único, elemento a justificar a estratégia de exploração majoritariamente estatal do pré-sal brasileiro. Também estão em jogo o gerenciamento do ritmo de exploração; os investimentos já realizados pela Petrobras em prospecção e que reduziram os riscos associados à exploração; a influência do preço atual do petróleo no valor a ser obtido com os leilões (fala-se em vender o pré-sal “a preço de banana”). Mais importante, talvez, seja a possível regressão das estratégias de industrialização e desenvolvimento regional que, idealmente, seriam puxadas pela Petrobras.

Contra a obrigatoriedade, pesam a realidade financeira da empresa e as perspectivas para o mercado mundial de petróleo. Há indicativos de que a exploração do potencial de investimentos no pré-sal, ao preço atual do petróleo, oneraria excessivamente a Petrobras. Basta lembrar que a regra atual foi concebida em outra conjuntura, com o preço do petróleo em torno de US$ 100 e a empresa capitalizada. No contexto atual, a maior participação do capital estrangeiro permitiria acelerar os investimentos que a Petrobras estaria impossibilitada de fazer, o que de quebra contribuiria para a retomada do crescimento. Tal visão se complementa pela percepção de que não há, no cenário atual, qualquer perspectiva de retomada dos preços aos níveis do início da década. Entre as razões, estão a ampliação da oferta, proporcionada pelo retorno do Irã ao mercado ocidental e pela exploração do xisto, e a desaceleração da demanda mundial, sobretudo a chinesa.

Os efeitos da nova regra sobre os investimentos realizados no contexto anterior ainda são uma incógnita. Fruto de uma decisão política de reconstrução da indústria naval brasileira, o Polo Naval de Rio Grande dinamizou parte do Sul do estado e agora enfrenta um período de incertezas. Em 2007, o setor de construção de embarcações empregava, segundo dados da RAIS, apenas 320 pessoas. Em 2014, 8.610 pessoas encontravam-se empregadas somente nessa atividade, a grande maioria em Rio Grande e São José do Norte. Somam-se a esse número todos os empregos indiretos, que envolvem desde os fornecedores de equipamentos, partes e acessórios, até a ampla gama de serviços que passaram a ser ofertados na esteira do crescimento do setor. Com o recrudescimento da crise, houve o fechamento líquido de quase mil postos na construção de embarcações no ano passado, ou seja, mais de 10% do total. Caso resulte na retomada dos investimentos, a nova regra, se sancionada, poderá trazer algum alento ao setor e à região. Porém, se a relação custo-benefício da indústria naval aqui localizada não for favorável à exploração privada, a crise poderá ser mais profunda. Continuaremos, assim, a depender da Petrobras.

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Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


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