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3 de fevereiro de 2016
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08:59

A transição chinesa e o RS

Por
Sul 21
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Por Cecília Hoff

Como se não bastassem as incertezas nos campos político e econômico, em grande parte herdadas de 2015, as turbulências na bolsa chinesa neste início de 2016, e as suas possíveis repercussões sobre a recuperação da economia mundial, vieram adicionar riscos a um cenário já difícil para a economia brasileira. As quedas recentes na bolsa chinesa refletem, aparentemente, a formação de uma bolha especulativa inflada pela expansão do crédito, cujo estouro foi adiado pelo governo através da adoção de medidas regulatórias. Considerando-se que o mercado de ações chinês ainda engatinha, se comparado aos grandes centros financeiros mundiais, a correção recente, em tese, poderia ter apenas consequências locais. Foi, no entanto, o gatilho que espalhou pânico nos mercados mundiais. Mais do que as quedas na bolsa, os temores parecem refletir a desaceleração, mais forte do que se imaginava, da segunda maior economia do mundo.

Mesmo no período de alto crescimento, já haviam dúvidas sobre a qualidade das estatísticas chinesas. As desconfianças, porém, ampliaram-se no período pós-crise. Antes, os dados secundários pareciam confirmar, senão a magnitude dos dados oficiais, o fato de que a China crescia muito. Agora, as discrepâncias aumentaram e já há analistas independentes afirmando que em 2015 o crescimento foi bem menor do que a taxa de 6,9%, anunciada pelos órgãos oficiais. A prisão do diretor do Escritório Nacional de Estatísticas da China – órgão responsável, entre outros, pelos cálculos do PIB chinês –, em circunstâncias pouco claras, contribuiu para ampliar as desconfianças quanto aos números da economia chinesa. Tudo indica que o governo chinês terá dificuldades para sustentar o ritmo de crescimento de 6,5% estabelecido como meta para os próximos cinco anos. O que fica evidente, na prática, é que a economia chinesa vem enfrentando uma forte desaceleração.

A redução do ritmo de crescimento parece demonstrar que a transição da China para um novo modelo de crescimento será mais lenta e volátil do que o previsto. O modelo do tipo export-led, exitoso na promoção do desenvolvimento chinês nas últimas décadas, sobretudo a partir do novo milênio, entrou em processo de esgotamento após a crise de 2008, diante da desaceleração da demanda nos países desenvolvidos e do próprio crescimento da renda per capita no país. Neste contexto, o governo apostou na estratégia de induzir a transição para um novo modelo de crescimento, mais voltado para dentro, o que pareceu correto em vista das novas circunstâncias da economia mundial e do grande potencial de crescimento do mercado interno chinês, mas tem se revelado mais difícil do que o esperado – a turbulência no mercado acionário reflete isso. Em consequência, a China tem acumulado capacidade ociosa, sobretudo na produção de insumos industriais.

Afora o efeito contágio nos mercados financeiros, a desaceleração na economia chinesa tem afetado o Brasil através das quedas na demanda e nos preços das commodities, como o minério de ferro e o petróleo. Esses movimentos têm amplos impactos sobre a economia brasileira, que transcendem o crescimento, e abarcam desde a ampliação da crise fiscal nos estados que dependem das receitas vinculadas às exportações desses produtos, até as dúvidas sobre a viabilidade do ambicioso projeto de industrialização e desenvolvimento regional, vinculado à exploração pré-sal, a ser capitaneado pela combalida Petrobras. Na prática, as dificuldades na China põem em xeque o modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil na última década. Mas a crise também encerra algumas oportunidades. Com o intuito de criar mercados para escoar o excesso de capacidade na sua indústria de base, a China vem ampliando os investimentos em infraestrutura nos países emergentes, estratégia que tem sido chamada de “diplomacia da infraestrutura” – em analogia ao que ficou conhecido como “diplomacia dos recursos naturais”, quando a China apoiou a ampliação da oferta de commodities na África e na América Latina, visando o seu próprio suprimento.

Neste cenário, a economia gaúcha tende a ser relativamente menos afetada, da mesma forma que foi menos beneficiada no ciclo anterior, por não ter minérios nem petróleo. É verdade que a China se tornou, desde 2009, o maior destino das exportações estaduais, mas o que exportamos é basicamente grãos de soja. Mesmo com a desaceleração chinesa, a demanda por alimentos deve continuar crescendo, o que também é consistente com a transição para um modelo voltado para dentro. Ademais, a taxa de câmbio mais depreciada do real pode favorecer a indústria de transformação gaúcha que exporta ou que compete com importações, ao contrário do ciclo anterior, quando a apreciação cambial associada à ampliação das receitas com as exportações de commodities contribuiu para ampliar as dificuldades da indústria estadual. De todo modo, o RS também não sairá ileso, podendo ser afetado indiretamente pela desaceleração da indústria nacional.

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Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


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