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4 de janeiro de 2016
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10:35

O governo Macri e as exportações gaúchas

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O governo Macri e as exportações gaúchas
O governo Macri e as exportações gaúchas

Por Cecília Hoff

A condução das políticas econômica e externa na Argentina tem reflexos relevantes para a produção e as exportações brasileiras, um fenômeno que resulta da proximidade geográfica e da parceria estratégica firmada pelos dois países no âmbito do Mercosul. Tais reflexos em geral são mais intensos no Rio Grande do Sul, cuja localização fronteiriça implica em uma maior participação relativa do comércio com o país vizinho na produção local. Em vista disso, as eleições na Argentina costumam ser acompanhadas com especial interesse no Brasil, e, mais ainda, aqui no Estado. A última eleição, com a escolha de Mauricio Macri para a presidência, indicou o início do processo de implementação de uma agenda de política econômica que se orienta através de uma maior liberalização da economia, da ampliação da competitividade externa, e, principalmente, da normalização do acesso do país aos fluxos de capitais internacionais, obstruídos desde a crise do fim da conversibilidade no início dos anos 2000. O novo governo já trouxe, desde as primeiras semanas, mudanças na condução da política econômica em relação às adotadas pela sua antecessora, entre as quais a redução da cobrança de impostos das exportações agrícolas e a liberação para a compra de dólares.

É possível imaginar-se que a redução da cobrança de impostos sobre as exportações de alimentos implique em maior concorrência com os produtos agrícolas argentinos nos nossos mercados externos. Porém, mais do que isso, a maior concorrência com os produtos argentinos deve ocorrer no mercado interno brasileiro. Neste aspecto, a economia gaúcha tende a ser proporcionalmente mais afetada do que a média nacional, seja porque a estrutura produtiva do Estado, no que diz respeito à importância das cadeias produtivas de grãos e carnes para a geração de renda local, é similar à da Argentina, seja porque, devido à proximidade geográfica, o Rio Grande do Sul é mais aberto às transações comerciais com o país. O aumento da concorrência deve ser mais intenso para produtos como o trigo, milho e carnes. No caso da soja, o impacto possivelmente será menor, pois não houve a eliminação do imposto de exportação (que apenas foi reduzido de 35% para 30%), ao mesmo tempo em que o crescimento da demanda externa pelo grão tem se sustentado em nível elevado, devido à dinâmica das importações chinesas. Dado o contexto geral de volatilidade e queda dos preços internacionais das commodities, e considerando-se que a Argentina é um produtor de soja importante no contexto mundial, é possível que a redução do imposto resulte em algum efeito de curto prazo nas cotações.

Em conjunto com a redução dos impostos sobre exportações, a desvalorização do peso, ocorrida na esteira da retomada do regime de flutuação cambial, visa ampliar a competitividade da Argentina no mercado internacional. Porém, há que se ressaltar que o ganho de competitividade só se sustentará se o país conseguir evitar que a desvalorização cambial e a menor oferta de alimentos em seu mercado interno impliquem em maior inflação. Na prática, a desvalorização da taxa de câmbio nominal poderá não resultar em uma desvalorização real e, portanto, em ganhos de competitividade, se os preços internos também aumentarem. As declarações e as medidas adotadas nas primeiras semanas de governo indicam que o presidente Macri parece disposto a levar adiante eventuais políticas de ajuste para evitar que as mudanças nos preços relativos impliquem em descontrole da inflação e, por consequência, na reversão do ganho de competitividade recém-conquistado. Porém, assim como temos visto na economia brasileira, ajustes neste sentido frequentemente redundam em recessão, desemprego e reversão de políticas sociais, não sendo, portanto, de fácil execução.

A partir de 2012, com a queda do preço da soja no mercado internacional, as dificuldades de financiamento externo enfrentadas pela Argentina agravaram-se, o que induziu a adoção de diversas políticas visando driblar a escassez de divisas, como os controles alfandegários e a reedição da política de substituição de importações. Este movimento defensivo, e que agora começa a ser revertido, refletiu-se também no desempenho da economia gaúcha, cuja produção ocupa uma posição central para o atendimento simultâneo dos mercados vizinhos e do mercado nacional. Todavia, mesmo que as medidas adotadas e prometidas pelo governo o Macri sejam no sentido de uma maior liberalização do comércio externo, não há garantias de que o cenário melhore no curto prazo, haja vista os efeitos da desvalorização do peso e das eventuais medidas de ajuste anti-inflacionárias no crescimento da demanda argentina. Em um prazo maior, caso o país consiga estabilizar o seu acesso aos fluxos de financiamento externo, constituindo divisas suficientes para normalizar os fluxos de importações e retomar o crescimento, as exportações estaduais, em especial as de manufaturados, assim como os investimentos aqui no Estado, podem ser favorecidos.

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Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


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