Colunas>Cecília Hoff
|
9 de novembro de 2015
|
09:53

Cenários pós-ajuste

Por
Sul 21
[email protected]
Cenários pós-ajuste
Cenários pós-ajuste

Por Cecília Hoff

É frequente, na análise conjuntural, a extrapolação simples do cenário presente para os anos que estão por vir. Um exemplo pôde ser visto na semana passada, quando foram divulgados estudos do IBRE/FGV que apontam para a estagnação da renda per capita brasileira até 2020. Está implícito na análise que, superados os efeitos do ajuste macroeconômico e da crise atual, o PIB brasileiro crescerá muito pouco nos próximos anos, algo em torno de 1,0% ao ano. Tais projeções não são improváveis, mas estão, evidentemente, influenciadas pelo desempenho da economia brasileira no período 2011-14 e pelas diversas incertezas presentes na conjuntura atual. Essas, aliás, não são poucas. A economia mundial custa a se recuperar de forma sustentada da crise que iniciou em 2007-08, fenômeno mais do que evidenciado na dificuldade do Fed em iniciar a elevação da sua taxa de juros básica, estacionada em 0% ao ano já há sete anos. No País, a conjugação do ajuste macroeconômico com as crises política e na Petrobras, deve resultar no pior resultado para o PIB desde a crise do início dos anos 1990, ao mesmo tempo em que a inflação ameaça romper o patamar de dois dígitos. No Estado, a agudização da crise fiscal, com o risco de novos atrasos no pagamento dos servidores e a estagnação dos investimentos, amplia, no contexto local, a percepção da crise.

Porém, o ajuste e a crise não se estenderão indefinidamente. Embora as condições para a retomada ainda estejam opacas, haverá, cedo ou tarde, uma reversão cíclica. Além disso, parece exagerado imaginar-se que o Brasil, com todos os seus recursos – de capital, humanos e naturais – esteja fadado à estagnação. Lógica semelhante se aplica ao Rio Grande do Sul, que, apesar da crise atual, ainda representa a quarta economia do País, com a terceira maior indústria de transformação. Em suma, o pessimismo com o presente parece estar contaminando, também, as perspectivas quanto ao futuro.

Na economia mundial, apesar das incertezas sobre a recuperação dos Estados Unidos e a transição chinesa para um novo modelo de crescimento, é possível que nos próximos anos os efeitos da crise sejam finalmente superados. A retomada da economia norte-americana, assim como a recuperação do seu mercado de trabalho, tem permitido uma reversão lenta dos estímulos monetários adotados durante a crise. Nada indica que o Fed adotará uma postura de choque nos juros, que poderia comprometer a capacidade de crescimento das demais economias, sob pena de inviabilizar a sua própria recuperação. Quanto à economia chinesa, parece estar em curso uma transição para um modelo de crescimento com maior participação do consumo doméstico, e menor participação do investimento e das exportações – a despeito de eventuais episódios de volatilidade, como os verificados nos últimos meses. Se esse processo for exitoso, a China poderá sustentar, ainda, um ritmo de crescimento anual de 5,0% a 6,0% nos próximos anos. Tal desempenho teria importantes implicações para a dinâmica da economia mundial, entre as quais a mudança nos preços relativos dos metais e alimentos, a favor dos últimos, e ao contrário do observado no ciclo anterior.

No plano interno, a principal incerteza diz respeito ao tempo necessário para a finalização do ajuste macroeconômico e a retomada da economia, haja vista o contexto de crise política. Uma rearticulação de forças que permitisse o encaminhamento das principais medidas relacionadas ao ajuste fiscal ainda comprometeria os resultados de 2016, mas poderia, enfim, criar as condições para a retomada do crescimento a partir de 2017. Como resultado, a estabilização da taxa de câmbio possibilitaria a convergência da inflação para a trajetória da meta, e permitiria ao Bacen dar início ao processo de redução dos juros e distensão do crédito. Em conjunto com o crescimento das exportações (associado ao câmbio mais depreciado e ao crescimento da economia mundial), o crescimento do crédito permitiria o início de uma retomada do crescimento na economia brasileira. A partir de 2017, os investimentos em infraestrutura (vinculados aos programas de concessão) e no pré-sal (na hipótese de que continue viável, a despeito da queda dos preços do petróleo) contribuiriam para a aceleração da retomada.

Caso se confirme, um cenário como descrito acima implicaria em um ritmo de crescimento inferior ao observado no ciclo 2004-10, até porque os seus condicionantes, externos e internos, não se fazem mais presentes no cenário atual. Porém, a dinâmica de crescimento seria mais equilibrada do que a que vigorou no ciclo de 2004-10, pois, ainda que o consumo interno continue relevante como dinamizador do crescimento, a expansão das exportações e dos investimentos, sobretudo em infraestrutura, poderiam contribuir para a sua sustentação.

As implicações desse cenário para a economia gaúcha também divergem das verificadas no ciclo de crescimento 2004-10, uma vez que o novo ciclo tende a ser mais favorável para a economia gaúcha do que foi o anterior. Considerando-se as características da inserção do Estado na economia brasileira, atividades importantes para a economia do Rio Grande do Sul poderão ser favorecidas no contexto nacional. Com efeito, o melhor desempenho das exportações pode beneficiar os setores localizados no Estado e que têm o mercado externo como importante destino da produção. A indústria de transformação estadual também pode se beneficiar da expansão demanda interna, em um contexto de menor crescimento das importações. Os preços da soja tendem a ficar mais elevados, relativamente aos minérios e ao petróleo, o que beneficia, relativamente, o Estado e as outras unidades da federação produtoras do grão. Finalmente, o aumento dos investimentos em infraestrutura, em nível nacional, assim como a continuidade dos investimentos na exploração do pré-sal, podem refletir-se na ampliação da demanda nacional por máquinas e equipamentos, a qual pode ser atendida pela indústria estadual, seja devido à capacitação acumulada no segmento metal-mecânico, seja devido ao Polo Naval.

Por outro lado, alguns desafios à economia estadual precisam ser superados, a fim de permitir a sua inserção competitiva no novo contexto brasileiro. Como a população gaúcha crescerá menos do que a nacional, só será possível alcançar taxas de crescimento similares à brasileira se a produtividade dos trabalhadores gaúchos for superior à observada na média nacional. Ou seja, de um lado, o ciclo de crescimento nacional, ao privilegiar atividades importantes da estrutura produtiva do Estado, poderá contribuir para o ganho de produtividade. Porém, a crise das finanças estaduais, a instabilidade do clima, a infraestrutura insuficiente (que envolvem desde problemas de logística de cargas até a mobilidade urbana) e a má qualidade da educação, em geral, contribuem para a redução desses ganhos. Em suma, para que o Estado aproveite o seu potencial de inserção especializada na economia brasileira, há que se viabilizar as condições para a continuidade e a ampliação dos ganhos de produtividade.

.oOo.

Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora