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12 de outubro de 2015
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11:00

O novo câmbio e as exportações

Por
Sul 21
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O novo câmbio e as exportações
O novo câmbio e as exportações

Por Cecília Hoff

Poucos períodos na história brasileira recente são comparáveis ao cenário de incertezas presente na conjuntura atual. Os episódios mais próximos talvez tenham sido a crise do início dos anos 1990, na esteira da hiperinflação e do confisco da poupança pelo governo Collor, que levou a reduções do PIB de 0,5%, em 1991, e de 2,1%, em 1992, ou no final dos anos 1990, durante as crises que levaram ao fim o regime de ancoragem cambial, e provocaram quedas do PIB de 1,2%, em 1998, e de 0,5%, em 1999. Na crise atual, como antes, as incertezas políticas e econômicas reforçam-se mutuamente, criando um círculo vicioso difícil de ser rompido. Como resultado, já se espera que o PIB se reduza em cerca de 3,0%, em 2015, e 1,0%, em 2016, após ter ficado praticamente estagnado em 2014. Enquanto as incertezas persistirem, a pressão da desvalorização cambial sobre a inflação dificulta a retomada sustentada da demanda interna e da produção. Contudo, o mesmo câmbio que inibe a retomada em bases internas, se mantido em nível competitivo e minimamente estabilizado, estimula o crescimento das exportações e a substituição de importações, podendo vir a contribuir para o início de uma modesta retomada ao longo do próximo ano.

O ajuste das contas externas tem ocorrido de forma relativamente rápida. Após ter registrado um déficit de US$ 4 bilhões, em 2014, a balança comercial brasileira já caminha para alcançar um superávit superior a US$ 10 bilhões este ano. Porém, a mudança em curso ainda não reflete o efeito do câmbio nas exportações. A rigor, parece resultar de ajustes na balança comercial do petróleo, cujo déficit se reduziu de US$ 13,6 bilhões, no acumulado entre janeiro e agosto de 2014, para US$ 5,0 bilhões, no mesmo período de 2015, devido à combinação de desaceleração da demanda interna e aumento da produção da Petrobras. Excluindo-se o petróleo, o saldo comercial teria sido superavitário em US$ 13,8 bilhões, entre janeiro e agosto de 2014, e em US$ 12,5 bilhões, no mesmo período de 2015. A redução do superávit (exclusive petróleo) se deve à queda dos preços das commodities no mercado internacional, em especial do minério de ferro, que contribuiu para uma redução de 15,4% do valor exportado no ano. A queda do superávit só não foi maior porque as importações dos demais bens (para o consumo, a produção e os investimentos) também se reduziram, em 15,9%, refletindo a redução da demanda interna e alguma substituição das importações.

As exportações de bens finais têm uma participação relativamente reduzida no PIB (representam, atualmente, em torno de 12%), mas possuem efeitos multiplicadores sobre a produção de bens intermediários e têm potencial para induzir uma recuperação, a exemplo da verificada após a depreciação cambial de 2002. Porém, costumam responder com alguma defasagem à desvalorização cambial (estima-se que a resposta demore cerca de um ano). Neste aspecto, embora a taxa de câmbio nominal venha se depreciando desde meados de 2011, a taxa de câmbio real efetiva (que considera as variações das outras moedas e da inflação) só alcançou um nível que pode ser considerado competitivo ao final de 2014. Ou seja, ainda não transcorreu tempo suficiente para que a recuperação das exportações de manufaturados tome forma. Por outro lado, há que se ponderar que, no cenário atual, pesa em sentido contrário a desaceleração dos principais parceiros demandantes de bens manufaturados brasileiros, em especial na América Latina. Ademais, a defasagem entre o choque cambial e a resposta da produção não é uniforme e pode se prolongar, a depender da flexibilidade da indústria em substituir fornecedores externos por internos e retomar as linhas de comercialização no exterior. Quanto mais longo for o período de apreciação cambial precedente, mais demorado tende a ser esse processo.

De todo modo, há indicativos de que um eventual crescimento da demanda interna poderá ser atendido pela produção doméstica, e que as exportações de manufaturados poderão começar a responder ao novo nível cambial. Em entrevista recente ao jornal Valor Econômico, Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro do governo FHC e atual presidente da Foton Caminhões no Brasil (que acaba de inaugurar uma fábrica no RS), afirmou que o novo nível cambial permitiria à fábrica gaúcha vender um caminhão na América Latina pelo mesmo preço praticado na porta da fábrica da matriz chinesa. Incluindo-se os custos de transporte, sairia mais barato produzir aqui. Noticia-se, também, que os produtores de calçados começam a rever as suas estratégias no mercado internacional, aumentando a fatia da produção destinada às exportações, e que empresas do setor metal mecânico procuram trocar as peças importadas pelas fornecidas nacionalmente. Segundo dados da CNI/Funcex, no primeiro semestre de 2015 houve uma redução generalizada, entre os setores industriais, dos coeficientes de penetração das importações (percentual da produção doméstica atendido por bens importados), embora ainda se observe, entre os setores, um movimento de redução dos coeficientes de exportação (percentual da produção destinado às vendas externas).

Em comparação com outras unidades da federação, a economia gaúcha beneficiou-se menos do ciclo de crescimento brasileiro de 2004-10, que se caracterizou pela expansão da produção de commodities e pela melhora da distribuição da renda, tanto entre as classes sociais, quanto entre as regiões do País. O menor crescimento da economia estadual se explica, entre outras razões, pela maior participação da indústria de transformação e das exportações de manufaturados em sua estrutura produtiva, segmentos claramente prejudicados pela apreciação cambial. Assim, considerando-se a inserção da economia gaúcha economia nacional, uma eventual – ainda que distante –recuperação brasileira associada ao aumento das exportações teria o potencial de refletir-se com maior intensidade na economia do Estado.

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Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.

 


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