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14 de setembro de 2015
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10:57

Cortar na carne

Por
Sul 21
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Cortar na carne
Cortar na carne

Por Cecília Hoff

A crise fiscal que atinge a economia brasileira tem se mostrado especialmente dramática no Rio Grande do Sul. Na prática, o Estado quebrou. Articulistas do centro do País, ao defenderem a adoção de medidas imediatas para a contenção do crescimento das despesas obrigatórias, em nível nacional, já mencionam a necessidade de evitar o “efeito chimarrão”. Está claro que não se trata de incompetência ou irresponsabilidade de um governo ou de outro, a crise financeira do Estado é estrutural. Conforme tem sido amplamente noticiado, a situação atual resulta de déficits fiscais acumulados nos últimos 30 anos, pelo menos, tendo se agravado este ano devido à queda conjuntural das receitas e à impossibilidade de ampliação do endividamento, dados os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal.

No próximo ano, haverá uma folga temporária, caso seja regulamentado o projeto de renegociação das dívidas estaduais e municipais. Mas isso não será suficiente, há que se reduzir o déficit. A esse respeito, enquanto o aumento de impostos enfrenta forte resistência da população e da opinião pública, refletindo-se, também, nas manifestações de contrariedade do legislativo, soluções ligadas ao enxugamento da máquina invariavelmente terminam na redução dos serviços públicos, afetando as parcelas mais frágeis da população. Argumenta-se que, antes de aumentar impostos, o governo deveria “cortar na própria carne”. Mas isso pressupõe haver espaço para, sem prejuízos à sociedade, reduzir o tamanho do Estado. Talvez seja possível cortar excessos e privilégios, além de ineficiências – desde que devidamente acompanhados de avaliações isentas sobre os benefícios, em termos de queda real de despesas, e custos, em termos de redução dos serviços para a população. Porém, medidas neste sentido dificilmente serão suficientes para resolver o problema fiscal. Não há muito o que cortar, sem que sejam sacrificados os serviços públicos essenciais e que representam a maior parcela das despesas estaduais. Ou seja, o cidadão vai pagar a conta de qualquer forma, seja com o aumento de impostos, seja com a redução dos serviços públicos.

Ademais, o governo já vem diminuindo o seu tamanho há algum tempo. Conforme divulgado recentemente pelo economista Carlos Paiva, em artigo na Carta de Conjuntura da FEE, enquanto a população do Rio Grande do Sul cresceu 18,3%, entre 1994 e 2013, o número de funcionários públicos ativos reduziu-se em 1,6%. Já o número de funcionários especificamente vinculados à prestação de serviços básicos (nas Secretarias de Educação, Segurança Pública e Brigada Militar e Saúde), reduziu-se em 12,9% no mesmo período. Outros estudos vão na mesma direção. De acordo com uma publicação recente do IBGE, “Perfil dos Estados e Municípios Brasileiros 2014”, a proporção de funcionários públicos estaduais, em relação à população, é de 1,5% no Rio Grande Sul, percentual próximo à média nacional, inferior ao observado em estados mais pobres e semelhante ao observado nos estados mais populosos (em São Paulo, por exemplo, é de 1,4%). Em termos absolutos, o número de funcionários do Estado (165 mil) é menor do que no Paraná (199 mil), apesar de o Rio Grande do Sul ter uma população maior. Não obstante, as despesas com pessoal e encargos sociais consomem parcela relevante dos recursos estaduais, tendo em vista a parcela de inativos, que representa 54% da folha, enquanto em São Paulo e no Paraná, por exemplo, não chega a 40%.

Em seu texto, Paiva levantou a hipótese de que a crise estadual tem origens no nosso pioneirismo, ao longo do século XX, na criação de uma burocracia estatal (que ora se aposenta), lado a lado com as dificuldades para, em um cenário de apreciação cambial crônica, estabelecer uma estratégia de desenvolvimento que sustentasse o dinamismo econômico e as receitas fiscais. Neste contexto, o aumento do ICMS, ou mesmo o combate à sonegação, ainda que possam contribuir para evitar um colapso dos serviços públicos no curto prazo, parecem insuficientes fazer frente à profundidade da crise. A médio prazo, uma solução duradoura não poderá prescindir da redefinição ampla dos compromissos em relação à dívida com a União, assim como de uma revisão na política de transferências fiscais para os entes federados e de uma melhor divisão de tarefas no que diz respeito à prestação de serviços básicos. Algo difícil, senão impossível, no presente cenário político-econômico nacional.

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No País, a solução para a crise parece estar cada vez mais distante e o governo, em um beco sem saída. Apesar dos cortes – executados no limite do possível, tendo em vista a rigidez das despesas obrigatórias –, o comportamento das receitas mostra-se muito abaixo do esperado, dado o quadro recessivo, em situação que se assemelha àquela enfrentada pelos países da periferia do Euro. A hipótese de que o ajuste seria expansionista, na medida em que contribuísse para a retomada da confiança, estava claramente equivocada. Porém, a reversão das medidas, no quadro atual, também implica em riscos. Uma eventual mudança de rumos, no cenário de perda de grau de investimento, queda nos preços das commodities e possibilidade de aumentos dos juros nos EUA, traz o risco de maior volatilidade cambial, com reflexos na inflação, que já está pressionada. Ou seja, não garantiria o crescimento e ainda poderia ampliar os desequilíbrios macro. No plano nacional, a saída parece estar na estabilização do câmbio e na convergência da inflação para a meta, o que permitiria o início de um ciclo de relaxamento no juro e no crédito, e o início de uma lenta retomada. Com sorte, isso ocorreria ao longo de 2016. A recuperação, assim, só viria em 2017.

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Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


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