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17 de agosto de 2015
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11:15

O simbolismo dos cortes

Por
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O simbolismo dos cortes
O simbolismo dos cortes

Por Cecília Hoff

Desde o início do ano, a insegurança passou a fazer parte da rotina dos servidores das fundações e autarquias estaduais. Até julho, os principais meios de comunicação do estado noticiavam a existência de estudos, dentro do governo do estado, propondo a extinção e a fusão de algumas instituições. Na primeira semana de agosto, a ameaça virou realidade, com o envio, à Assembleia Legislativa, das propostas de extinção da Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde (Fepps), da Fundação Zoobotânica e da Fundação de Esporte e Lazer do RS (Fundergs). Segundo informou a casa civil, outras iniciativas, no mesmo sentido, deverão ser encaminhadas em breve. A ideia do governo é “tirar alguns armários desnecessários da administração pública”.

Os projetos foram encaminhados sem a explicitação dos custos e benefícios para a sociedade. Ao que parece, não guardam relação direta com a necessidade de redução de despesas no curto prazo ou com a qualidade dos serviços prestados pelas instituições à sociedade (a grande maioria presta serviços na área de pesquisa, assistência social e cultura). Tudo indica que as fundações tornaram-se o objeto imediato da reforma administrativa do governo estadual porque a sua extinção é relativamente simples, considerando-se que os seus funcionários são celetistas (ainda que concursados). Se extintas, os servidores serão demitidos e os serviços por eles prestados serão descontinuados ou contratados de terceiros (consultorias, universidades, etc.).

As fundações representam uma pequena parcela das despesas com o funcionalismo estadual. Em conjunto, as 20 instituições custaram, nos primeiros quatro meses de 2015, 1,7% da folha de pessoal (individualmente, algumas representaram menos de 0,1%, como é o caso da Fundação Zoobotânica). Está claro que a extinção de algumas fundações não será suficiente para garantir a continuidade das atividades essenciais do estado, como o pagamento dos salários dos servidores, assim como não permitirá a ampliação dos investimentos ou a redução dos impostos (também não evitaria um eventual aumento de impostos). Independentemente do destino das fundações, o equacionamento fiscal de longo prazo continuará condicionado à renegociação da dívida estadual, assim como ao encaminhamento de uma solução para o déficit previdenciário.

Com tal proposta, o governo do estado parece buscar explicitar a intenção de não mais interferir em serviços cujo atendimento pode ser feito pelo setor privado. Aqui há, implícita, a noção de que a prestação de serviços pelo setor privado é mais eficiente do que a estatal. Porém, nos casos da pesquisa, da assistência social e da cultura, a superioridade do privado sobre o público não é certa. Isso ocorre porque os benefícios desses serviços para a sociedade são mais amplos do que os que podem ser mensurados diretamente, uma vez que envolvem a geração de externalidades positivas – quando o retorno social, de forma cumulativa, difusa, subjetiva e de longo prazo, é maior do que o retorno que pode ser auferido individualmente. A rigor, na presença de externalidades positivas, não há incentivo para que o setor privado exerça o mesmo tipo de serviço daquele exercido pelo setor público. É ingênua a visão de que os serviços prestados por uma instituição pública podem ser substituídos, sem perda de qualidade e de isenção, por instituições privadas, sujeitas a critérios limitados de custo-benefício e interesses imediatistas. Veja-se, por exemplo, o caso da FEE: as diversas consultorias contratadas pelos governos ao longo dos anos acabaram procurando a Fundação (que presta o serviço para os cidadãos, indistintamente), na busca de dados, explicações, conhecimento acumulado sobre a realidade socioeconômica e potenciais para o desenvolvimento estadual.

Também é frequente a alegação de que os servidores públicos são pouco produtivos, fenômeno que resultaria da estabilidade. Essa visão, embora comum, revela desconhecimento, tanto em relação às rotinas da grande maioria dos servidores, quanto dos benefícios da estabilidade para a sociedade. Há, certamente, exemplos de baixa produtividade no setor público (assim como o há, também, nas empresas privadas). Por certo, há espaço para a geração e o aperfeiçoamento de sistemas de metas e de desempenho, assim como para o aumento da produtividade (como o faz, também, o setor privado). Porém, tomar como verdadeira a noção de que a baixa produtividade é generalizada e que resulta da estabilidade, antes de indicar a necessidade de correção de distorções, pode acabar induzindo à perda de uma conquista da sociedade, que é a preservação das instituições públicas aos ciclos políticos. Sem a estabilidade, corre-se o risco de, a cada quatro anos, remontar as instituições aos interesses do partido da ocasião.

Diante da magnitude do problema fiscal do governo do estado, a proposta de extinção de algumas fundações, como a Zoobotânica, parece ser simbólica. Por trás da proposta está a visão, para muitos já superada, de que o desenvolvimento pode ser alcançado relegando-se algumas atividades a um segundo plano, e de que, para a construção de um Estado moderno, o setor público e o setor privado se opõem, ao invés de se complementarem. Nas ciências sociais, à ausência de consenso científico, predomina o ideológico. Em casos assim, as politicas públicas devem ser adotadas com o dobro de cautela.

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Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


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