Colunas>Cecília Hoff
|
20 de julho de 2015
|
11:39

Dois ajustes

Por
Sul 21
[email protected]
Dois ajustes
Dois ajustes

Por Cecília Hoff

Em tempos de aperto fiscal, os gaúchos tem sido duplamente afetados: aos efeitos do ajuste nacional, somam-se, no plano local, os da crise financeira do governo do Estado. No âmbito federal, o ajuste tem sido conduzido de forma inflexível pelo governo, mesmo com as quedas do PIB e dos índices de popularidade da presidenta. O contingenciamento dos gastos está sendo complementado por outras medidas, como a reversão dos benefícios fiscais e creditícios à produção e ao investimento – adotados, no primeiro governo Dilma, com a intenção de preservar o emprego, reduzir o custo Brasil e retomar a competitividade –, assim como as revisões nos benefícios trabalhistas, nos repasses para o financiamento estudantil, entre outras. As medidas são, evidentemente, pró-cíclicas. A meta é aumentar o resultado primário, que foi deficitário em 0,6% do PIB em 2014, para um superávit de 1,1% em 2015. Os objetivos, reduzir o déficit nominal do setor público, calculado em 7,9% do PIB nos doze meses encerrados em maio de 2015, e estabilizar a dívida líquida do setor público, atualmente em 33,6% do PIB.

O esforço tem gerado algum resultado: no acumulado do ano até maio, o superávit primário foi de 1,08% do PIB. Porém, muitos analistas apontam que será difícil sustentar esse percentual até o final do ano, dado que as receitas têm crescido sistematicamente abaixo da inflação – o que, de fato, não surpreende, considerando-se a recessão em curso. Além disso, a queda do PIB e a elevação da taxa de juros, pelo Bacen, tornam a redução do déficit nominal (que inclui o pagamento de juros) ainda mais difícil, assim como a estabilização da relação dívida/PIB. O ajuste amplo que tem sido promovido pelo governo, e que não se restringe ao fiscal, sendo complementado também pela restrição monetária e pelo realinhamento dos preços das tarifas básicas, tem produzido uma queda expressiva no nível de atividade, com impactos sobre o emprego e a expansão da renda. Neste contexto, a redução do déficit nas contas externas tem sido relativamente rápida, via queda das importações, enquanto a inflação começa a mostrar sinais de que vai ceder a partir do segundo semestre, com o fim dos realinhamentos de preços.

O ajuste no Rio Grande do Sul é mais premente, e, de certa forma, não opcional. O fato é que o estado tem um déficit elevado (estimado, atualmente, em cerca de R$ 4 bilhões), as receitas estão crescendo abaixo do que seria necessário (em linha com o que se observa na economia nacional) e as fontes de financiamento estão esgotadas (já que a dívida estadual alcançou o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal). Bater à porta do governo federal, na conjuntura atual, também não parece uma alternativa. A solução encontrada pelo governo tem sido atrasar alguns pagamentos para fazer outros, estratégia que já atingiu os fornecedores, os municípios, os hospitais e o funcionalismo. As medidas são de curto prazo, mas a falta de perspectivas tem aumentado a insegurança dos servidores e a precarização dos serviços públicos, além de estimular um processo de judicialização em relação a pagamentos que, em princípio, deveriam ser corriqueiros. Em 2016, porém, haverá uma folga. A regulamentação da renegociação das dívidas estaduais, prevista para o início do ano, implicará no abatimento de parte da dívida do RS e permitirá ao estado tomar novos empréstimos para cobrir seu déficit.

A médio prazo, poucos discordam que devem ser adotadas medidas para que as despesas do governo do estado sejam compatíveis com as receitas e ainda sobre um pouco para os investimentos. Na prática, porém, não há solução fácil. Reduzir o tamanho do estado, com o fechamento de instituições públicas e a diminuição dos gastos com o funcionalismo, costuma ser apontado como solução, mas não se pode deixar de considerar os custos dessas medidas, seja em termos de passivos judiciais, seja em termos do impacto, perverso em seu aspecto distributivo, da redução dos serviços públicos. Outra possibilidade é o aumento da participação do governo federal na prestação de serviços, ou dos repasses para que o estado possa fazê-lo de forma satisfatória. Porém, uma solução como esta demanda um esforço político, orquestrado com outros estados e com os municípios, para a revisão do pacto federativo, assim como uma solução do problema fiscal também por parte do governo federal. Por fim, o aumento dos impostos e a revisão das desonerações concedidas pelo governo estadual também são possibilidades, mas, neste caso, há que se considerar os custos do aumento de incertezas contratuais, assim como os impactos nos investimentos privados.

O ideal seria aumentar as receitas, via crescimento econômico e da base de arrecadação, mas isso, infelizmente, não está sob o controle do governo estadual. A renegociação da dívida, no ano que vem, permite alguma folga para que as medidas possíveis, assim como os seus custos, sejam ponderados e debatidos de forma transparente com a sociedade. Até agora, a proposta do governo se resume à redução da participação dos salários dos servidores nas despesas totais, implícita no congelamento dos salários, a despeito da inflação. Será a melhor solução?

.oOo.

Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora