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27 de abril de 2015
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11:55

Um ano perdido?

Por
Sul 21
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Um ano perdido?
Um ano perdido?

Por Cecília Hoff

Na sequência da estagnação econômica de 2014, os primeiros números de 2015 são desalentadores. A produção industrial continua em queda, em ritmo até mais acentuado do que o observado no ano passado, enquanto os serviços também desaceleram, levando consigo a geração de emprego. À rápida desaceleração do consumo das famílias, associada ao menor crescimento da renda, ao risco de desemprego, aos aumentos da energia e dos combustíveis e à redução e encarecimento do crédito, se somam os ajustes fiscais em curso, tanto em âmbito federal quanto estadual, e as quedas da confiança e dos investimentos. Para a economia brasileira, a redução do PIB em 2015 promete ser a mais intensa desde a estabilização. No Rio Grande do Sul, o resultado talvez não seja tão devastador quanto o registrado em 2004-05, na maior estiagem dos últimos anos, devido à perspectiva de boa safra. Ainda assim, dificilmente poderá ser comemorado.

Em janeiro e fevereiro de 2015, a indústria de transformação gaúcha reduziu a produção em 12,2%, na comparação com o mesmo período de 2014. Nos doze meses acumulados em fevereiro, a redução é de 6,7%. O desempenho da indústria estadual não destoa daquele observado na indústria brasileira, que apresentou quedas de 9,3% no ano e 5,9% em doze meses. Em nível nacional, a indústria extrativa registrou crescimento de 10,9%, puxado pela recuperação da produção da Petrobras, o que contribuiu para amenizar a queda da indústria geral. O estado, porém, não contou com esse efeito, dada a baixa participação da indústria extrativa na estrutura produtiva da região. Os piores resultados concentraram-se naqueles segmentos que tiveram um crescimento importante e aumentaram a sua participação na indústria estadual na última década, como as indústrias metal mecânica e automotiva. Em janeiro e fevereiro deste ano, houve queda expressiva da produção das principais atividades relacionadas a esses dois complexos produtivos no estado: metalurgia (-12,8%), produtos de metal (-16,3%), fabricação de máquinas e equipamentos (-26,8%), fabricação de veículos automotores, reboques e carrocerias (-23,5%), fabricação de produtos de borracha e plástico (-8,6%). Ao desempenho negativo dessas atividades somaram-se as quedas, já recorrentes, da produção de outros segmentos tradicionais na estrutura produtiva estadual, como as indústrias de alimentos e de produtos do fumo, os setores coureiro-calçadista e moveleiro, a indústria petroquímica e a fabricação de celulose. As quedas persistentes na produção, somadas à falta de perspectivas quanto à recuperação, têm aumentado as demissões na indústria. Houve redução de 4,3% do emprego na indústria de transformação nacional, nos primeiros dois meses de 2015.

Para alguns segmentos da indústria, porém, o ano pode não ser de todo perdido. A agricultura promete safra recorde – as últimas previsões, realizadas em março, apontam para uma expansão de 15,9% da produção de soja, além da recuperação da safra de trigo (medidos em toneladas). É possível que esses resultados não se traduzam em um crescimento expressivo do setor na divulgação do PIB, seja devido ao efeito base (caso da soja), seja porque nem sempre o aumento do valor adicionado ocorre na mesma proporção das quantidades produzidas. Mas a boa safra, aliada ao câmbio mais desvalorizado, pode contribuir para uma recuperação, ainda que conjuntural, da produção do setor alimentício. Neste segmento, há a perspectiva de recuperação das exportações de carnes (frango e suíno, basicamente). A taxa de câmbio também pode ajudar na recuperação de margens dos setores coureiro-calçadista e químico, que se beneficiam, ademais, da recuperação da economia dos EUA. Por fim, os efeitos da expansão da capacidade produtiva no setor de celulose começarão ainda este ano.

Mesmo que relevante, a recuperação de alguns segmentos, conforme descrito acima, não deve ser suficiente para reverter o quadro geral recessivo, para o qual contribui o excesso de capacidade nos complexos metal mecânico e automotivo, bem como na construção civil residencial. Pelo lado da demanda, sem estímulos ao consumo, com o ajuste fiscal em curso e com baixo crescimento da demanda mundial, a recuperação do crescimento brasileiro – e gaúcho – passa a depender, quase que exclusivamente, do sucesso dos programas de concessão. Nesse contexto, haveria espaço de um cenário positivo? Com alguma sorte, a taxa de câmbio poderá se estabilizar (caso o Fed adie o aumento dos juros e o país passe no teste das agências de risco), o que contribuiria para uma convergência mais rápida da inflação para a meta e para uma distensão da política monetária no próximo ano. Se a esse movimento somar-se a ampliação dos investimentos em infraestrutura (condicionada à agilidade nas concessões) e à retomada dos investimentos para a exploração do pré-sal, uma recuperação talvez possa se viabilizar, mas apenas em 2016.

Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


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