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2 de março de 2015
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11:30

Crise Fiscal

Por
Sul 21
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Por Cecília Hoff

Em meio a um conjunto de incertezas no cenário nacional, o assunto mais debatido por aqui tem sido a crise das finanças estaduais e as opções, em geral dolorosas, para controlar uma situação que aparentemente chegou ao limite. Em que pese a gravidade dos indicadores fiscais do estado, a necessidade de ajustes entre receitas e despesas não é uma exclusividade do governo do Rio Grande do Sul. O Governo Federal e a maioria dos governos estaduais iniciaram os seus mandatos com a adoção de programas de consolidação fiscal.

A crise fiscal, que se pode dizer generalizada, tem como pano de fundo a estratégia de manutenção das desonerações fiscais e do ritmo de crescimento dos gastos em um cenário de baixo crescimento econômico. Buscava-se, com isso, a manutenção dos níveis de emprego e renda, enquanto as políticas de estímulo aos investimentos criariam as bases para uma retomada futura do crescimento. A aposta era de que as medidas adotadas bastariam para que o país voltasse a crescer, induzindo a recuperação das receitas. Assim, o reequilíbrio fiscal poderia ser alcançado, em médio prazo, sem o sacrifício do emprego e dos programas sociais. Como se sabe, a estratégia não funcionou: a economia não cresceu, as receitas não aumentaram e o desequilíbrio fiscal agravou-se, colocando em risco algumas das conquistas alcançadas na década anterior, como o grau de investimento e os programas sociais. Ainda que o ajuste fiscal não seja uma medida recomendada em períodos de estagnação, sob pena de aprofundá-la e estendê-la, o mesmo justifica-se, no contexto atual, como alternativa a uma crise de maiores proporções, no caso da perda do grau de investimento, ou para preservar os programas sociais considerados essenciais.

No plano estadual, o ajuste tem outra lógica. O desequilíbrio fiscal é estrutural, tendo se agravado na conjuntura dos últimos anos. O problema do governo atual é que se esgotaram as fontes de financiamento. Até outubro de 2014, o estado registrou déficit primário de R$ 571 milhões, enquanto a meta para o período era de superávit de R$ 1,7 bilhão. Segundo a Sefaz, a principal causa foi a frustração das receitas. Ao déficit primário somaram-se as despesas com o serviço da dívida e outras obrigações, que em conjunto geraram uma situação de insuficiência financeira e obrigaram o governo a buscar novos financiamentos, entre os quais o saque aos depósitos judiciais. Considerando-se que o plano de austeridade do governo federal limita novos aumentos ao endividamento dos estados, e que as perspectivas de crescimento das receitas fiscais são pouco alvissareiras, não há alternativas no curto prazo senão cortar despesas. Porém, como uma parcela importante das despesas não pode ser comprimida (por exemplo, com os inativos e com o serviço da dívida), os ajustes acabam se concentrando na redução dos investimentos e dos serviços públicos, que já são insuficientes, ou então apenas adiam as despesas, que serão incorporadas cedo ou tarde com juros e correção.

Um problema estrutural não será resolvido com medidas de curto prazo. Hoje, o Rio Grande do Sul possui uma dívida de cerca de R$ 50 bilhões, que consome um montante expressivo das receitas estaduais todos os anos. Até outubro do ano passado, as despesas com pessoal e com o serviço da dívida representaram 57% e 9% das receitas correntes, respectivamente. No mesmo período, os investimentos representaram apenas 2%. Os gastos com pessoal poderiam indicar um estado inchado, mas não é o caso. Segundo dados da Sefaz, em dezembro de 2014, apenas 46,7% dos servidores vinculados à administração direta e indireta estavam ativos, enquanto o restante (53,3%) compunha-se de inativos e pensionistas.

As relações entre Estado e mercado são mais complexas do que tem transparecido o debate atual. Diminuir o tamanho do Estado, em si, não implica no aumento dos investimentos e da produtividade do setor privado. Se o Estado não cumpre o seu papel na prestação dos serviços públicos e no fornecimento de condições mínimas de infraestrutura, o setor privado também é afetado. No Rio Grande do Sul, enquanto permanecer a drenagem dos recursos com a dívida e a previdência, não haverá espaço para o aumento dos investimentos e para a prestação de serviços públicos de maior qualidade. Uma solução estrutural passa, necessariamente, pela renegociação da dívida, pela reforma da previdência e pela revisão do pacto federativo.

Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


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