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15 de setembro de 2017
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01:00

Diplomacia Judicial, a porosidade do Estado brasileiro e um elemento central de ligação

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Sul 21
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Ao que parece, no golpe de 2016, temos um operador jurídico-político de primeira envergadura e que passara despercebido do grande público. Foto: Agência Brasil

Bruno Lima Rocha

Desde o início da Operação Lava-Jato e as respectivas comparações tanto com a similar “Mãos Limpas” italiana e a incorporação de estatutos e normativas do Direito de matriz anglo-saxã, venho procurando alguma evidência de um especialista de ligação. Se formos observar na história do Brasil do século XX, havia elementos assim, como o adido militar da Embaixada dos EUA no golpe de 1964, general Vernon Walters. Em tempos de Cooperação Jurídica Internacional e neoliberalismo ideológico como substituto da bipolaridade, temos de observar os meandros das relações Brasil-EUA. Um dos eixos aqui apresentados passa pelo Brazil Institute do Woodrow Wilson Center for Scholars. A seção brasileira deste Centro é presidida por Paulo Sotero, um entusiasta da Diplomacia Judicial, conforme declarado pelo próprio em artigo no Estado de São Paulo. Para instrumentalizar tal mecanismo é necessário um ou mais elementos de enlace, além do suporte legal e sua generosa e ampla interpretação. Ao que parece, no golpe de 2016, temos um operador jurídico-político de primeira envergadura e que passara despercebido do grande público.

O juiz federal distrital sênior em Maryland (EUA), Peter J. Messitte é um velho conhecido da magistratura paulista e brasileira. Messitte tornou-se doutor em Direito pela Universidade de Chicago em 1966 e, neste mesmo ano, acompanhado de sua esposa Susan, tornaram-se voluntários dos Peace Corps (Corpos da Paz, ação integrada da USAID para as Américas), lecionando em São Paulo capital até o final de 1968. No período, dentre outras atividades, Messitte lecionou Direito Comparado na USP. Segundo o próprio Brazil Institute do Woodrow Wilson Center, este juiz, nomeado por Bill Clinton, é a peça central desde os primeiros intercâmbios, em 1998. Seu mérito, segundo a fonte já citada, foi haver mantido os laços com o Brasil desde o final dos anos ’60 do século XX até o presente momento. As palavras são de Paulo Sotero (presidente do instituto) e constam no prefácio do documento da conferência).

Ainda segundo Sotero, Peter J.Messitte foi peça-central nos convênios jurídicos e intercâmbios iniciados em 1998 com o patrocínio do Banco Mundial e da USAID, realizando as duas primeiras conferências em Baltimore e Washington (julho de 1998) e, na sequência, outras duas em Brasília e no Rio de Janeiro (dezembro de 1998). As relações são profícuas, pois o mesmo foi homenageado pela Associação Paulista da Magistratura, ainda em abril de 2009 (poucos meses antes da conferência do Projeto Pontes no Consulado dos EUA no Rio)

A fonte desses elogios públicos a Messitte é a conferência Brazil-United States Judicial Dialogue (maio de 2011) realizada pelo Woodrow Wilson Center e a escola de Direito da Georgetown University. Na ocasião falaram no evento magistrados da envergadura de Cezar Peluso (à época presidente do STF), assim como Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Ellen Gracie, que por sinal dividiu a temática da punição aos casos de corrupção com o próprio Peter J. Messitte. Vale registrar que o embaixador do país nos EUA à época, Mauro Vieira, também foi conferencista no evento. Neste ano de 2017, em 08 de setembro, o ministro do STFLuis Roberto Barrosso demonstrara que “A Corrupção não vai prevalecer”; antes, em julho, o procurador geral Rodrigo Janot conferiu palestra no mesmo centro.

Diplomacia Judicial, redes e complementaridades

Não é exclusividade do Brasil a adoção de complementaridades e relacionamentos entre os Poderes Judiciários do planeta. Há que se levar em conta que a capacidade de punição dos crimes financeiros passa pela necessidade de sistemas complementares jurídicos e policiais e, por consequência, mais um espaço onde se reproduzem as assimetrias, desigualdades e projeções de poder de uns Estados e grupos dominantes sobre outros. Dentre estes, incluímos a capacidade de gravitação dos sistemas jurídicos anglo-saxões e seu poder de atração sobre os tecnocratas de carreiras jurídicas de nosso país assim como de outros territórios da Semiperiferia e da periferia.

Em janeiro de 2011, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), César Peluzo afirmou quando da abertura do II Congresso Mundial sobre Justiça Constitucional:

O diálogo entre sistemas jurídicos nacionais tem um nome: diplomacia judicial. Está claro que com ele não me refiro à política externa definida e executada pelos Poderes Executivos. Entendo a diplomacia judiciária como o conjunto das relações e interações entre cortes domésticas e estrangeiras, com vistas ao aprimoramento da atuação jurisdicional diante das novas realidades produzidas pela crescente interdependência das nações.

Como sabemos nas relações internacionais, a interdependência entre agentes desiguais produz mais desigualdades e distintas capacidades de execução de políticas. A comparação com a política externa é apropriada, sendo a Cooperação Jurídica Internacional parte desta desigualdade, aumentando a porosidade do Estado brasileiro, proporcionando a utilização de recursos externos – como o uso de redes informacionais judiciais – para punição interna. Fica assim evidente a possibilidade de violação de soberania e internalização de interesses externos, francamente percebível nos acordos de compliance na Petrobrás e a presença dos escritórios Baker Mackenzie e seus associados nacionais. A formação de Redes judiciais de informação (Information Networks), Redes Judiciais de Implementação (Enforcement Networks) e as ainda mais contestadas Redes de Harmonização (Harmonization Networks) materializam as relações diretas entre as instituições judiciais de distintos países e a aproximação de doutrina, resoluções, capacidades investigativas e súmulas vinculantes através de jurisprudências comuns.

Pelo visto, a habilidade de operadores de enlace como o juiz Peter J. Messitte é infinita, assim como a porosidade e a frágil coesão interna do Estado brasileiro diante da força atrativa dos EUA. Tal fragilidade é especialmente notada no poder de atração da Diplomacia Judicial sobre o aparelho Judiciário e o Ministério Público Federal.

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Bruno Lima Rocha é professor de relações internacionais e doutor em ciência política.


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